segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

FICÇÃO NA REALIDADE



Resposta do cineasta Pedro Almodóvar à pergunta "Qual é a função do cinema hoje"? para Revista Época. Entrevista completa em Época.

Almodóvar – O cinema deve completar a realidade, porque é mais importante que ela. Não que eu despreze os filmes naturalistas. Só que esse tipo de cinema não me interessa como diretor. Meu cinema é a representação artificiosa da realidade. A ficção é um fato necessário da vida. Sem ficção, as pessoas ficariam loucas. Se houvesse um dia uma greve de ficção e, por um tempo, não se produzissem mais histórias para as pessoas escaparem da realidade, haveria um caos no mundo. A ficção é necessária porque a vida das pessoas não é suficiente, a realidade é incompleta. Ainda mais em países pobres, como tantos que ainda existem. A ficção se torna para os desgraçados uma forma de sobreviver. Como artista, sinto necessidade de viver intensamente uma fantasia. E não me refiro a filmes elaborados! As telenovelas preenchem uma necessidade do público faminto de ficção.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Por que nossas avós usam talco?

Engraçado, o grande corpo de minha vó Mulata eu só lembro entre nuvens de talco. Após o banho da tarde, aquele de dormir, o quarto dela virava uma nuvem sufocante de pó! Um cheirinho bom acompanhado de muito, muito espirro. Na verdade, nunca entendi a lógica do talco e só via sentido daquela pózeira branca toda no colo enorme e aconchegante de minha vó. O cheirinho inebriante despertava em mim vontade de descansar a cabeça naqueles imensos seios. Não lembro ao certo se já descansei minha cabeça em seu colo entalcado. Acho que sim, porque minha imaginação lembra disso. Cada vez mais perco o senso do real. Onde isso vai parar?

Minha vó Mulata, nossa! Era lindíssima. Só usava lindas bolsas de couro e vestidos de marca, comprados na São João Batista Modas. Amante da boa comida, ela foi, com certeza, a principal responsável genética das mulheres G e GG da família: eu, Sandrinha e minha irmã. Sua beleza foi responsável por traçar um dos sargentos mais charmosos e galanteadores da Soterópolis daquela época. Foto dela eu não tenho agora, mas o perfil do meu avô Arnaldo está aqui em baixo, para que vocês comprovem o que digo.

Todo mundo que me conhece sabe o quanto eu tenho uma quedinha quase enlouquecedora pelos cremes hidratantes e tudo o que é cosmético que deixe minha pele amolecida e cheirosa! Pois então, este post é conseqüência do último cheirinho cosmético que tem dominado a minha vida. Foi a partir da fragrância perdida num tempo passado do Talco Cremoso Antisséptico Granado (linha Pink) que eu me lembrei da pózeira branca na pele negra da minha linda vó Mulata.


Cheguei a esse talco em creme, a partir da dica de minha amiga de trocar futilidades boas Lulu Magnética, que sabe de todos os lançamentos em cosméticos no Brasil e fora dele, das marcas mais populares às incompráveis. A Av. Sete de fora a fora é vasculhada por ela. Depois passa para as amigas todos os novos produtos e a drogaria ou biboca onde comprar. Sempre aprendo muito sobre beleza com ela! Inlcusive, prometo fazer um post só com cuidados com os nossos cabelos crespos, já que há pouquíssimos produtos na praça para cabelos sem química, mas que precisam de muito cuidado para ficarem macios, agradáveis ao toque. Isso é possível, Lulu sabe e agora eu também sei!

Mas voltando ao talco, jamais usaria em pó, pois como disse não me entendo com esse formato. Por isso, já achei curioso ele ser um talco cremoso. Fiquei com aquilo na cabeça. Nas idas ao Rio, sempre me dou um dia de caça-cosméticos, geralmente mais baratos do que aqui em Salvador. Dessa vez, estava decidida a comprar a Manteiga Corporal de Castanha da Granado, que já estava namorando há meses.

Na drogaria, vi toda a linha Pink. Tive muita vontade de comprar, mas me contive. Resolvi trazer só o talco em creme, porque no verso dele estava a promessa de combater a transpiração e as bactérias causadoras do mau cheiro, além de inibir o crescimento do fungo trichophyton mentagrophytes, um dos causadores das micoses. Próprio para aplicar nas axilas e nos pés.

Nossa! Que grata surpresa! Tenho a pele das axilas bem sensível, além de suar muito. Daí já viram! Uso o Talco Cremoso há duas semanas e, até agora, ele tem se saído melhor que qualquer desodorante, seja em creme, roll-on, anti-perspirante ou natural que tenha usado antes. Além do cheirinho mortal de tão bom! À noite, passo não só nas axilas, como em todo o colo, para dormir com cheirinho de vó. Daí para lembrar da pózeira no quarto de D. Mulata foi um pulo, né?

Amei tanto o cheirinho que esta semana comprei quase todos os outros produtos da linha: Gel para pés e pernas cansadas; Esfoliante de pedra pomes; Manteiga emoliente e o Sachet escalda-pés. Só falta a Cera nutritiva para unhas e cutículas que não achei de jeito nenhum aqui em Salvador! Minha diversão da última semana tem sido tratar dos pés. Encho minha enorme bacia de alumínio com água morna, coloco o sachet com aquele cheiro maravilhoso e fico pensando na vida... Muito bom! Depois complemento com a esfoliação, o gel e a manteiga, para dormir com os pés hidratadinhos!

Nessa terapia corporal me reencontrei com o enorme corpo de minha avó Mulata e com a certeza de que vó que não usa talco não tem graça nenhuma! Bom, meus netos não terão o pó, isso é certo, mas poderão ter o agradável perfume desse talco cremoso se até lá a Granado existir e esse produto não sair de linha!

Meu kit caseiro Granado

Ah, para terminar, eu juro que não sou garota-propaganda da Granado. É que o cheirinho da linha PINK, além das lindas embalagens vintage em rosa têm levantado mesmo o meu astral esta semana!

Abraços apertadinhos em tod@s!

domingo, 29 de novembro de 2009

Aqui não é twitter não

Mas a frase para o dia de hoje é

EU NÃO VIM PRETA À TOA.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Tais de joelhos no horário nobre e semana da consciência negra

Terça-feira, 17/11/2009, 21:30, o telefone toca. Eu, irritada. Horário da novela. Meus amigos e amigas intelectuais não entendem meu vício! Atendo e tomo um susto: uma amiga do Rio que pouco me liga. Estranhei. Pensei logo em desgraça. Eu, olho vidrado na televisão vendo uma culpa absurda encarnada no personagem de Taís Araújo, e minha amiga dizendo:"Menina, viu que horror a cena da novela? Estava falando com A.. Que absurdo!". Eu só me limitei a dizer: "Querida C., Salvador não tem horário de verão. Estou vendo a cena agora. Ela vai se ajoelhar mesmo?. C. só se limitou a dizer: vai lá ver, vai lá ver...". Desligamos.

Cena típica de uma noveleira convicta. Sou daquelas que irritam os amigos quando, dependendo do capítulo, evito sair antes de a novela acabar. Daquelas que sempre promete que não irá acompanhar mais nenhuma novela, mas quando outra começa (na verdade, quase sempre a mesma novela com outra roupagem), acaba acompanhando. Daquelas que, mesmo irritada com o escritor (porque discuto muito com elas e eles), quase sempre, sigo vendo a novela.

Obviamente, aquele mundo não tem nada a ver com o meu, os valores e visões de mundo são, de uma maneira geral, deploráveis, mas gosto de estórias infindáveis e a novela é antes de tudo uma contação sem fim. Relaxo mesmo vendo os absurdos que desfilam na televisão brasileira, sobretudo os das Organizações Globo. Gosto de uns autores, desgosto de outros, mas só deixo de ver mesmo a novela muito mal construída. Agora, o que tenho sentido ao ver cenas de VIVER A VIDA de Manoel Carlos tem sido uma miscelânia de raiva e indignação.

De fato, as novelas desse senhor sempre me irritaram, com um mundo tão amplo quanto os limites do Leblon. Lamentável o cotidiano daquele bairro naturalizado como se fosse o único do Brasil. As empregadas negras, puxa-sacos dos patrões, chatas e, geralmente, gostosas nos seus micro-uniformes azuis, rosas ou salmões (nada contra micro-vestidos, pelo amor de Deus!). Aquela velha representação da preta doméstica boa de cama! A Zilda por exemplo , personagem de Laços de Família, feita pela linda Thalma de Freitas, tinha esse perfil deplorável e ainda gritava diariamente com uma voz de gasguita "Dona Heleeeena"!

Tudo bem que ele não é o único a construir essa típica representação na teledramaturgia brasileira, como bem já demonstrou Joel Zito no livro e documentário A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. Porém, entre os autores de novela recentes, me parece ser o pior.

Por outro lado, ao construir uma protagonista negra, Maneco tem feito um grande favor a nós que vivemos e procuramos pensar sobre a desigualdade racial no Brasil. As tensões raciais em circulação no nosso país, ao invés de amenizadas, como bem desejaria o porta-voz do Leblon, têm sido marcadas pela super-exposição. Encenada como um grande avanço dramatúrgico, as cenas traem um Brasil inventado como racialmente harmônico, através de uma protagonista negra adestrada pelo embranquecimento. Tendo crescido em uma família negra de classe média, com pai músico, bon vivant e mãe ultra-conservadora, dona de pousada, a protagonista, porém, mostra-se carente de referenciais negros, cercada de amigos não-negros, com certeza, segundo a crença de Maneco, devido ao meio social em que vive.

A infelicidade da cena transmitida no início da semana do 20 de novembro revela índices de violência racial incessantemente (re)encenados na teledramaturgia brasileira. Pior agora, porque travestido na emoção de uma atriz vista como aquela que abre portas para o negro na televisão brasileira. Primeiro, ainda adolescente protagonizou a novela Chica da Silva; depois, foi a primeira protagonista negra da Globo em Da cor do pecado; agora, a primeira protagonista da produção mais cara da mesma emissora.


O pedido de desculpas de Tais Araújo/Helena, ajoelhada diante dos olhos claros de Lília Cabral/Tereza, representa um lugar - o da subserviência - obsessivamente ocupado por personagens e atores negros na televisão brasileira. A cena me pareceu a volta imaginária de tantas sinhazinhas, mucamas, mulheres escravizadas que desfilam nas telenovelas. No momento da cena, não dava para pensar só no enredo da novela e na tragédia vivida pela heroína negra de Maneco. A encarnação cristã da culpa fez a personagem dizer que prefiria ser ela a estar sem os movimentos das pernas e dos braços. O resultado por tamanha submissão (como sempre disse minha mãe: "quem muito se abaixa..."), foi uma bofetada na cara e o ódio da personagem cujas características físicas demonstram um lugar de domínio.

Agora, tão violento quanto a posição de Helena e o tapa recebido é o desolamento vivido pela personagem. A família, morando em Búzios, não se abala pelo drama vivido pela grande modelo internacional, com certeza o motivo de orgulho da família. Até mesmo a mãe de Helena, destoando das representações de mães-leoa de Maneco, limita-se a rezar para o santo de devoção e esperar a visita da filha em casa. Mesmo tendo familiares, a protagonista negra continua como outros personagens negros de telenovelas: sem família, desgarrados. A culpa encarnada por Helena também parece supervalorizada, já que, provavelmente, segundo o perfil da personagem, ela deve ter encarado barras pesadíssimas para se tornar a modelo brasileira de maior sucesso, segundo o texto da novela.

Enfim, uma seqüência de desastres narrativos têm construído uma das protagonistas mais inverossímeis da teledramaturgia brasileira. A única coisa boa nesse mar de inadequações é que nós, telespectadoras negras, podemos, a partir do desfile de atrocidades da novela, aprofundar uma reflexão sobre as danosas conseqüências do racismo em nossa sociedade.

A cena construída por Maneco para ser transmitida em plena semana da consciência negra me fez perder de vez a vontade de acompanhar a novela. Meus amigos intelectuais, durante os próximos 4, 5 meses talvez, poderão me ligar entre as nove e dez horas da noite à vontade!



Quem quiser ler uma interessante reflexão sobre a mesma cena da novela, acessar A Globo e seu TOC (ou a remasterização obsessiva das representações desqualificantes)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

RESPEITO AOS MAIS VELHOS


Interessantíssimo seminário promovido pelo Bando de Teatro do Olodum.
Quem quiser maiores informações, visite o site do Teatro Vila Velha

terça-feira, 3 de novembro de 2009

PESSOAL, PARTICULAR...

Que saudade de ter tempo para escrever nisto aqui!

Na verdade, o título deste post seria MÚSICA PARA O DIA DE HOJE, como sempre faço quando quero transmitir sentimentos meus a partir de canções e artistas que admiro. Mas como a música é cantada por Seu Jorge, achei necessária uma curta explicação.

Queria colocar mesmo um vídeo de Peu Merray, o compositor da música, no Balcão Cheio de Assunto, um descolado canto criado por ele mesmo, onde mais tenho escutado música boa em Salvador. Como precisarei do que não sobra agora, para apresentar esse lugar , deixo para depois um único texto dedicado a isso. Também não achei um vídeo de Peu com qualidade para disponibilizar aqui.

Agora, Seu Jorge tem me despertado sentimentos bem contraditórios. Uma grande voz, porém, a meu ver, tem se perdido em um estilo de vida "bem particular". De "A carne mais barata do mercado", cantada no início da década de 90 com o "Farofa Carioca", passou, infelizmente, a fazer ode a burguesinhas e ser feijão em festa de bacana. Lamentável! Por outro lado também, não posso deixar de considerar que se trata de uma bela espécime de homem preto. Isso conta muito, né? (rsrsrsrssrsrsrs)

Aqui, ele acabou por acertar em cheio ao gravar uma música de Peu. O que importa para mim mesmo, além do swing da música é o refrão singelo e otimista:

E o bom da vida é
Viver bem, estar bem, querer bem
Deixa eu namorar...


terça-feira, 6 de outubro de 2009

Eu... um livro pra Chico



Chico, minhas nádegas não são rosadas
Muito pelo contrário
Mas não há pele que reluza mais as letras do que a minha
Teresa sou, a última...
Dispo meu corpo e olho refletido no espelho
Um livro inteiro em mim

A primeira T., amada demais
Pura Perdição
Ela não sabe mesmo ler o livro em si

As putas, desalinho,
Nem Teresas são
Mero simulacro

As Teresas estudantes, afobadas demais
Não se deixam admirar, oferecidinhas
O livro com elas não ganha tino nem ritmo

Meu ritmo, na medida exata
Sou eu, Chico, teu livro
Nasci e já sabia
Queria ser livro
Ser livro para um homem só

Por isso deito ao teu lado na cama
E te deixo escrever em mim
Cuido de ti, das tuas letras
E calma, raspo a cabeça
depois que tudo é só tanto de letra em meu corpo
Ali, você pode findar o texto
Ou até mesmo assumi-lo infinito

Eu, Chico, um livro semi-aberto por decifrar
De trás pra adiante, de adiante pra trás

Só eu no mundo para ler teus escritos, mais ninguém
Por isso eu te ensino
E ofereço meu corpo em papiro

Dias e noites... orgias de escrita
Depois da água bebida
A minha, branca, a tua, transparente
Continuaremos grafias em nossos corpos
Profusão de letras
E eu, um livro
Sem fim...

sábado, 3 de outubro de 2009

Nei Lopes premiado


Acabei de saber por email que Nei Lopes ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria "livros didáticos e paradidáticos". O feito é digno de nota porque o assunto é dos mais pertinentes ao ensino formal do Brasil contemporâneo. Utilizando palavras do próprio Nei, sua História e cultura africana e afro-brasileira, editada pela Barsa Planeta em 2008, trata da "mestiçagem cenográfica", que tem sido encenada e re-encenada em nosso país. O tema está na moda, mas pessoas competentes para desenvolvê-lo são raras. Nei Lopes, de fato, tem autoridade para abordar criticamente o assunto. Certamente, este livro será uma das minhas próximas leituras!

Um dos maiores eruditos em história da cultura afro-brasileira, o cantor, compositor, sambista e, como ele bem gosta de enfatizar, escritor Lopes, devido à vida e currículo dedicados a lutar intelectualmente contra o racismo, já deveria ter sido agraciado com muitos outros prêmios editoriais, diga-se de passagem! Por ora, deliciemo-nos com a palavra sempre bem-humorada, inteligente e crítica do seu Lote aqui na rede e festejemos com ele o fato de ter entrado no Jabuti, como ele mesmo disse, pela porta do livro didático!

Que essa premiação signifique também o largo uso do seu livro nas salas de aula!

domingo, 27 de setembro de 2009

Fartura pouca, meu pirão pra todos


Cosme e Damião
Cadê Doum?
Cosme e Damião
Vem comer seu caruru...
(Domínio Público)

Salvador tem me dado muitas coisas boas, uma das que mais me emociona é a possibilidade de contar o tempo a partir de momentos sagrados que se renovam. Sejam as trezenas de Santo Antônio em junho, sejam, no mês de agosto, os filhos de santo de Omolu fazendo suas andanças de pedidos, seja o alegre mês de setembro, com múltiplos fartos carurus como oferenda a São Cosme e Damião, os famosos carurus de sete meninos.

Esse mês já fui a dois, bem diferentes, porém maravilhosos. Sinto-me espiritualmente confortada não só com a saborosa comida, mas principalmente quando vejo os preparativos, as panelas ou travessas cheias, as crianças correndo, as cocadas, a cana, a banana frita, a pipoca. Tudo muito, muito gostoso! Tão bom quanto a volta da escola pra casa, recolhendo com minha irmã Adriana, sacos e mais sacos de doces de Cosme e Damião pela Rua do Catete. Em casa, pegávamos a maior bacia, juntávamos todos os doces e tínhamos balas, maria-moles, cocadas, pés-de-moleque semanas a fora....

Esse mês cheio de dêndê e doçuras também me leva mais uma vez a refletir sobre o quanto a fartura tem sido para poucos e a miséria espalhada por entre tantos neste mundo. Hoje, ao passar pela Praça Piedade, vi três carros distribuindo não doces a crianças, mas quentinhas para dezenas de moradores de rua que por ali circulam. Adultos, tais quais crianças, corriam doidos pelo prato de comida ao meio-dia e, rapidamente, se escondiam onde dava para comerem sem serem incomodados; crianças com os braços abraçados a balas e doces também aos montes pulavam em desvantagem pelo prato de comida. Alguns meninos, ainda lerdos do efeito do crack, desconseguiam levantar do banco para disputar o almoço. Comer pra quê?

Claro, aquele almoço era saco de doce em oferenda... É, o poder do tempo sagrado pode não resolver o problema da fome, mas ameniza, por um momento, a dor de muitos. E isso é, de fato, poderoso!

Que a farta doação de amor transformada em ritual no setembro de Cosme, Damião e Doum tome radicalmente as nossas vidas para que, de fato, a alegria da fome saciada se expanda pela Terra, nossa casa toda!







segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Flores... uma infinidade de flores


Ando piegas... cada vez mais! E ultimamente dei pra usar flores no cabelo, como se quisesse mesmo dizer que por sob a força dos meus fios crespos há muita doçura, muita...

A minha caixa de madeira cuja tampa possui, em osso, um mapa da África nem fecha mais de tantas flores que há lá. Tem verdes, brancas (muitas), amarronadas, uma só vermelha e muitas, muitas coloridas, com tons de dourado, com diversas texturas, de tecido liso, de tecido estampado, de sisal, de palhinha delicada e até de plástico, uma mais linda que a outra. E tenho já em mente as que chegarão, quantas cores e formatos de flores poderei usar pra me enfeitar, fantaseando-me de mulher açucarada a passear por aí...

Nao é que hoje, diante de tão intensos e contraditórios sentimentos me deu vontade de distribuir flores a amig@s especiais que, por diferentes motivos, têm participado da minha vida recente direta ou indiretamente. Todos esses, sendo familiares ou não, inspiram-me diariamente para trilhar caminhos cada vez mais de acordo com o que acredito e quero pra minha vida e pro mundo.

Eita! Acho que acordei vendo flores em tod@s que têm me rodeado, porque recebi a terna visita de uma amiga de infância. Gente! Há coisa mais confortável do que ter um amiga de infância? Minha nossa, é muita vida junta pra atar e desatar nós... Duas meninas se conhecem aos 11 anos numa fila de escola, uma experiência nova pras duas. A maior, com cara emburrada porque não queria de jeito nenhum sair da escola antiga, com medo também. A menorzinha toda animadinha e solta... Aqui é a fila da 1503? É sim, responde a maior, sem querer prolongar o papo. Apesar de a menor ter achado a maior metidinha, a identificação foi mútua e quase instantânea. O tempo tem passado, nossas vidas têm tomado caminhos tão distintos, mas a admiração mútua continua. Sinto muitos fios atando-nos uma a outra, apesar da distância física já há alguns anos, apesar de sermos mesmo bastante diferentes uma da outra. Mas isso não importa, porque o que importa nas longas amizades é saber que a pessoa está lá, em algum lugar do mundo, vivendo a própria vida, mas que ao primeiro alô ou abraço a intimidade de sempre é instantaneamente retomada, tanto tanto que até zoação é a mesma de sempre. Através de amig@s de muito tempo nos reconhecemos novamente pelo olhar antigo-novo lançado sobre nós. Às vezes, achamos que mudamos muito, mas vem a amiga e mostra o quanto algum
as ações, discursos ou maneira de ser são os mesmos de anos atrás. Os conselhos continuam sinceros, desinteressados de tudo que seja interesse prático, material. E as fofocas, nossa, as fofocas são sempre renovadas... Muito bom!

A presença de Thati aqui em casa deu leveza a um momento triste pela perda da minha querida Tia Áurea, Bubu para os de casa (Quem quiser conhecer um pouco dessa mulher especialíssima, leia neste mesmo blog o texto MINHAS DUAS ANCESTRAIS VIVAS (declaração de amor). Apesar da tristeza da ausência, a tranqüilidade de saber que uma mulher tão boa, espirituosa e engraçada como Tia Bubu sofreu pouco no seu fim. Sinceramente, o Deus que ela tanto acreditava não podia deixá-la sentir muita dor, se angustiar mais do que a própria angústia de se saber próxima do fim indefinido... que nos espera sempre. Agora, sentada ao lado de Lelinho, seu irmão, e de todos os outros que já estavam ansiosos para rever sua alta gargalhada, tenho certeza de que Tia Bubu está em paz! Como despedida, ela, envolta em lindas margaridas brancas e amarelas, ao lado dos que a amavam assistimos a uma linda missa cantada. Por um instante, pude escutar sua voz cantando alto e suas palmas exultantes! Ali então senti que ela foi embora feliz. Acho mesmo que ela desencantou daqui, para encantar outros mundos, outras gentes...

Voltar pra casa do funeral e rir com Thati foi um bálsamo de doce aroma regando as infinitas flores do meu próprio jardim... Por tudo isso, a vontade de distribuir ramos de flores aos amigos mais queridos veio dos últimos quatro dias intensos em alegria, tristeza, saudade e amor.

Presenteio então com flores desde Kibe (Márcio Macedo), meu inteligentíssimo amigo à distância que muito me faz rir e tem o poder de colocar o meu lento cérebro para funcionar, a Naná, cuja proximidade faz com que viajemos na maionese quase diariamente, mulheres da lua que somos, passando por Thatiana, é claro, Miranda, Claudia Fabiana, Angélica, Dani, Su, Déa, Kátia, Adjoa, Jason, Renato, Adriana, Felipe, Lina, Walfredo, Tias Zelina e Bubu, Lua, Joana, Wilson, Fábio, Simone, Carlinhos, Lu, Máxima, Fili e Flora. A tod@s vocês, agradeço a amizade através do florido cenário e figurino do show de Vanessa da Mata, cantando a alegre música BAÚ. No meu bauzinho afrocentrado, não estão só as lindas flores que têm me enfeitado por aí, estão também a memória boa, muito boa de cada um de vocês...





domingo, 16 de agosto de 2009

Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve


Então, chega a ser engraçado como rememorar é o verbo que, com certeza, está sob a minha escrita. Busco subterfúgios num tema ou noutro, mas sempre volto para mim e para os meus. Como amante de palavras, sempre soube, antes só teoricamente, é verdade, da potência libertária das memórias. Mas como nunca tinha coletivizado as minhas próprias, somente desde que criei este espaço aqui vejo o quanto relembrar o passado liberta a gente de nossas sombras ou faz com que a gente reencontre em algum canto de nós uma felicidade guardada. É por isso que hoje, neste misto de homenagem e divulgação, só posso começar pelo que lembro de há muito tempo atrás. Eu, no início da adolescência, meu irmão, com uns 6,7 anos.

Meu maior momento de liberdade em casa era quando todos saíam e eu ficava em casa só, com a sala toda ao meu dispor. Afastava os móveis, colocava no som bem alto "Bat Macumba" de Gil e ensaiava feliz meus passos sinuosos e semi-acrobáticos de dança afro, suadamente aprendidos com Charles Nelson. Ai ai, pulava, pulava e no auge daquela sessão infernal, ainda contava 2,3, 4, 5, 6, 7, 8... dava giros, mexia os ombros, enfim...

Possivelmente, disso não lembro bem mesmo, fazia essas sessões mesmo quando meu irmão se trancava no quarto da minha mãe para ver desenho animado. Só lembro de um dia estar todo mundo no meio da sala, meu irmão pular e ficar fazendo os giros idênticos aos que eu fazia. Tive um misto de raiva e muita vontade de rir, porque aquilo não era pra ninguém ver. Numa dessas de estar trancado no quarto ele deve ter saído, visto aquela cena insandecida e voltado correndo, para não levar uma grande bronca da irmã mais controladora do mundo. A imitação daquele menininho magrelo gerou a gozação geral de todos lá em casa, né?

A vida lá em casa para Felipão nunca foi fácil! Éramos três mulheres geniosas. Às vezes me pergunto: como ele sobreviveu?!?! Mas ta aí, como dizem, bem criado!

A casa barulhenta da gente gerou em meu irmãozinho uma paixão doida por música. O negócio era escutar música alta da boa, tocar piano, teclado, atabaque, o que tivesse em nossa casa de muitos sons. Hoje ele é o que podemos chamar de "garimpador de música boa". Muito boa, por sinal!!!

Se tive minha fase "show caseiro" sem noção, meu irmão também já quase enlouqueceu a casa toda quando resolveu tocar trumpete. Ainda bem, não morava mais lá. Mas sempre que ia pra minha mãe, escutava: pronto, começou! Era um firifim fim infindável! Um belo dia, sem mais nem menos, fiquei sabendo que ele tinha vendido o trumpete. Desistiu de ser Miles Davis! Para a felicidade daquelas mulheres todas!

Mas a paixão pela música tem dado muitos frutos. Meu irmão é mestre em fazer belíssimas seqüências de boa música brasileira contemporânea no FUNK-SE O BRASIL, um dos programas do blog coletivo Rio Groove FM. As swingadas seqüências são resultado de pesquisa musical e muita paixão por todo tipo de música grooveada, funkeada, como queiram! Vale escutar, vale ler os posts e fazer downloads dos álbuns pelos quais se interessem. O blog é todo interessante, porque os outros DJ's também mandam muito bem. Mas, por incrível que pareça, tem mais ouvintes e leitores em países europeus do que aqui no Brasil. Bora conferir, minha gente!

Disponibilizo o programa mais atual, embora o que mais goste seja o de hip hop (pocket 13). Quem quiser, é só clicar em POSTS, dentro do podcast e selecionar o de número 13. Além disso, dá para conferir todos os outros.

E aguardem mais novidades...DJ Gaoners ainda vai trazer muita música boa pra essa doida e maravilhosa coisa que chamamos de mundo virtual, internet, rede, o que quer que seja! Felipão, irmão querido, estamos juntos sempre!!!! É nós...


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domingo, 2 de agosto de 2009

Poema para o dia de hoje


Não é que hoje acordei com uma cena de um ano atrás na cabeça... Eu na casa da minha amiga Adjoa, fazendo exercícios para me soltar em um dos idiomas dela. Muito engraçado, bolávamos uma doideirinhas que, no fim, podiam até não darem certo, mas ríamos muito... sempre! Eu e ela na cozinha lendo dramaticamente o poema "Phenomenal Woman". Ainda mais me empolguei, quando ela disse que as adolescentes amavam, divagamos em torno de aulas interessantes de literatura e, depois, voltamos ao poema. Ela, com um vozeirão, é certo, lia mais dramaticamente do que eu. Depois daquilo, fiquei dias lendo-o em casa e acabei entrando mesmo no clima de auto-valorização do poema.

Pois é, hoje, de ressaca de um porre daqueles que a vida me preparou, o som de alguns versos do poema voltaram à minha mente com toda força. Resolvi então relê-los, escutá-los e disponibilizar o poema aqui neste blog piegas pra lá de íntimo. Pode até ser que milhares de homens não fervilhem atrás de mim, mas que sou uma mulher fenomenal, ah sou!


terça-feira, 21 de julho de 2009

Somos corpo só e mais nada

Ele me beijará com os beijos de sua boca.
Seu abraço me transportará mais alto que o vinho.

Suave é o aroma dos teus ungüentos,
como ungüento derramado é o teu nome,
por isso, as donzelas te amam
(Cântico dos C
ânticos de Salomão, 1, 2-3)

Não, não, de jeito algum sou hedonista, mas digo logo, só acredito em alma colada a corpo. A percepção que nos é dada como humanos coloca o corpo, esse ente amedrontador, como o centro de tudo. Se sentimos medo, dor, prazer, desejo, tudo isso é o corpo que vai indicar, sinalizar, esconder ou mostrar. É isso! Eros passa por tudo! Nesse sentido sou bem erótica mesmo!

Divagando em minhas reflexões fantasiosas, nada sociológicas, fico pensando se o afastamento absurdo que diversas culturas promovem do próprio corpo não significa, no fim de tudo, um medo absurdo de nossa finitude. É, gente, faz um certo sentido, porque, de fato, o prazer sexual é muito forte, inexplicável e passageiro, transitório como a própria vida.

Como podemos dar conta de tamanha contradição? Sei não, como se trata de um pensamento baseado na imaginação, dou-me o direito de não achar respostas. Mas também me dou o direito ao espanto, quando me deparo com discursos que separam tudo: corpo de alma, céu de inferno, poesia de sexo. Aí não dá! Se literatura se funda na vida e nas relações sociais, para mim, nada mais "natural" do que o corpo erotizado, em excitação, compor linhas de inúmeros poetas e poetisas.

Há mais ou menos dois meses apresentava um trabalho acadêmico ao lado de uma renomada pesquisadora de literaturas africanas e literatura afro-brasileira. Fechei minha fala lendo este poema:





Na hora do debate, não lembro bem por que, mas a pesquisadora falou mais ou menos assim: "Ia ler também esse poema da Marise, mas achei erótico demais, achei que poderia chocar vocês." O meu espanto foi que esse poema nunca me chocou e mais de uma vez já o levei para discutir com os meus alunos, tanto pela riqueza rítmica dele quanto pela perspectiva feminina. Mulher no comando da prática sexual, no mínimo, trai imagens correntes de mulheres passivas, receptáculos de tudo no mundo, inclusive do prazer sexual. Além do mais, meus amig@s desafrocentrad@s que me desculpem, mas a sutileza da palavra "jazz" coroando esse ato de prazer, não só faz referência expclícita ao gozo, já que uma das etimologias possíveis da palavra é essa, mas também afro-poetiza essas linhas, relacionando-as a um gênero musical afro-americano.

Foi naquele momento de indignação que comecei a pensar em trazer pra cá alguns textos que me deixam, diríamos, molhada. Também comecei a constatar como a intimidade sexual é normalmente vista como algum tipo de perversão ou algo espúrio, pura sacanagem, que deve ser mantida debaixo das camas, bem lá no fundo mesmo. Pedi a 3 amigos que escrevem poesias, para que disponibilizassem as suas mais quentinhas. Todos três deram desculpas evasivas e literalmente fugiram. Ficando impedida de publicar inéditos aqui neste blog, vamos a poesias já conhecidas mesmo.

A poesia que fala do corpo erotizado desce ao nível do leitor comum, por isso é interessante ver um poeta tradicionalmente visto como o mestre dos parnasianos, aquele que escrevia "longe do estéril turbilhão da rua", escrevendo o delírio de um homem ao dar prazer sexual a uma mulher.

Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E em frêmitos carnais, ela dizia:
Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos,
Disse-me ela, ainda quase em grito:
Mais abaixo, meu bem! Num frenesi

No seu ventre pousei a minha boca
Mais abaixo, meu bem! Disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci...

Olavo Bilac

Ou mesmo o, a meu ver, infantilizado Manuel Bandeira, que morre velho, mas carrega, em sua biografia, o peso da tuberculose que o condenou à morte ainda moço. Aos olhos de quem se resume a conhecer o poeta pelos bancos escolares, tratava-se de um homem triste que pouco aproveitou a vida, voltado que era para as suas memórias da infância numa Recife perdida. A poesia A cópula, no entanto, mostra um Bandeira maravilhosamente devasso, pervertidamente humano.

Depois de lhe beijar meticulosamente
o cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce,
o moço exibe à moça a bagagem que trouxe:
culhões e membro, um membro enorme e tujescente.

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinente.
Não pode ele conter-se, e, de um jato esporrou-se.
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente

Que vai morrer: - "Eu morro! Ai, não queres que eu morra!?
Grita para o rapaz que aceso como o diabo,
arde em cio e tesão na amorosa gangorra

E tintilando-a nos mamilos e no rabo
(que depois irá ter sua ração de porra)
lhe enfia cona a dentro o mangalho até o cabo.


Essa história de armado e desarmado é ótima! Até na hora do sexo, para o homem, impera a batalha, a luta, a guerra. Nossa! E pelo que vemos, nossos poetas sérios e conseqüentes gostam mesmo, em suas simulações sexuais, é de mulheres nada recatadas. Não quero separar nada aqui, por isso não caio na cilada de dizer que as mulheres que gritam de prazer nas duas últimas poesias são somente para foder, na cabeça dos homens. Recuso-me a me limitar às representações mais comuns e acho sim que homens, tal qual as mulheres, ora unem o prazer sexual ao sentimento amoroso e ora separam ambos os espaços. Cuti une liricamente sexo à intimidade amorosa no maravilhoso Luz na uretra:

O coração na cabeça do pênis
sístole e diástole sou-te
na vagina
e
num vôo riacho
espalho-me
via láctea
no teu infiníntimo.

E também De Paula imagina um deliciosíssimo ICE-CREAM, alimento do corpo e da alma, que, além de saborosamente prazeroso, aquece e funde dois amantes apaixonados:

Teus lábios... framboesa.
Meu sorvete... chocolate.
Você chupa...
A gente se aquece, se funde...
O gelo derrete....
Você amolece,
Eu me enrijeço.

Teus lábios... morango.
Minha cobertura... caramelo.
Arfando... gemendo,
Meu creme transborda,
Em jorros de emoção,
Prazer ... e alimento.

Mulheres, falando poeticamente de experiência sexuais, dão voz a séculos de silenciamento. A solidão de um sábado à noite se transforma, na poesia Nós voláteis de Lia Vieira, em uma erótica experiência a sós.

Billie Holliday e aquela solidão arretada,
numa noite de sábado.
O feriadão levara as pessoas.
Para disfarçar o tempo, queimou um comercial
e ligou a tevê sem o som.
Para ocupar suas idéias,
um variação de literatura esotérica.
Nesta digressão filosófica, o teto começou a vibrar.
Atentou para o ruído e
percebeu que a libido no apartamento de cima começara.

Estavam literalmente fodendo na sua cabeça.
Aqueles rangidos e gemidos ritmados
lhe despertavam desejos adormecidos até então.
Seu corpo retesou-se e arqueou-se em ondas, enquanto a
dupla alienígena
contemplava a encenação.

Lá fora, a vida fervilhava, e ela
solitariamente pegava uma carona
nesse trem de fantasias.

A partir de perspectiva onírica, a portuguesa Maria Tereza Horta encena a descoberta do ato sexual entre esses seres imaginários que talvez representem a inocência diabólica do corpo e de todos os prazeres eróticos:

Os anjos

Os anjos descobrem
a vulva
no mesmo instante

em que sabem
do pênis:

com
as pernas ligeiramente
abertas
e desviando as asas

São raríssimas as
asas
que não partem dos seios

a florir nos
ombros

Como um manso púbis
com os seus veios
de sombra

E o anjo
debaixo
ficou a acariciar o pênis
do anjo que voava
por cima

de manso
procurando
o fundo da vagina

De maneira mais explícita, também cantamos o membro que nos absorve, enruga e arrepia, tal qual Regina Amaral, em Tesão:

Teu falo é um facho
Fascinante.
Eu me encrespo
Sempre...
Teu facho é um fato
irreversível!

Se inicei com um texto bíblico em que o vinho torna mais alto o ambiente de Sulamita e Salomão, termino com o que o efeito Baco desperta em meu corpo. Já me perguntaram inclusive se não sou eu a Tarada num carro. Quem sabe? O poema foi feito por Ana C. Pozza, que inclusive tem uma produção para lá de quente, mas, como leitora que é leitora se apossa do alheio pra ela, pode ser que seja eu mesma.



Eu não minto
Eu invento
E se tomo vinho tinto
Logo me esquento!
Quando sinto,
Eu tento.
Percorro o labirinto,
Busco o vento.
Arranco o teu cinto,
Deixo-te sedento
Aí vejo o teu pinto
E sento!



Há ainda infinitas possibilidades de erotismo poético. Isso aqui na verdade é só um aperitivo. Não selecionei poesias que tratam, por exemplo, da prática homossexual por puro desconhecimento. Outras seleções certamente virão. Por ora, quem quiser ler mais, vale a visita ao site Poesia Erótica.

sábado, 4 de julho de 2009

III Fórum Nacional de Performance Negra

Clique sobre o folder para vê-lo ampliado

Programação completa em Bando de Teatro em Cena

terça-feira, 30 de junho de 2009

COISA DE MENINA... BOBEIRINHAS QUE INTERESSAM...

Pois é, como nesta babel de internet achamos o inimaginável, acordei disposta a ter aula de como andar de salto alto. Não é que achei uma maneirinha!!!!!!
Amanhã à noite, arriscarei meu primeiro salto agulha da vida! Oxalá dê certo! Compartilho com minhas SOULSISTAS o aprendizado. Aproveitem, meninas! Afinal, bobeirinhas sérias também enchem de vida o nosso cotidiano.

Para quem quiser, há a versão legendada: The secret to sexy heel wearing & Fitness

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Never can say goodbye


Um misto de farta felicidade e descrédito foi a sensação que senti aos 11 anos, quando ganhei um concurso de dança Michael Jackson, no auge da fama do cantor, com o álbum Thriller, marco da música mundial. Lembro que, no dia da festa do tal concurso, ensaiei incessantemente aquele famoso passinho de deslizar pra trás (Moonwalk), até conseguir fazer o mais próximo do astro negro que achava lindíssimo, aliás, o único no período da minha pré-adolescência. Absurdos à parte, já me identificava com aquele corpo frágil, dançante e com o cabelo relaxado, que também passou a virar febre no Brasil desde meados da década de 80 e eu, claro, acabei também por copiar aqueles cachinhos molhados com muito gel e água mesmo.

Mas no dia do concurso, eu estava com um colorido rabo de cavalo. Como odiava alisar meu cabelo longo, minha mãe era obrigada a inovar nos penteados. Para aquela festa, do meu rabo saiam várias trancinhas presas com mini presilhas coloridas. Um gracinha!!!!! Tenho a impressão de que o penteado também ajudou na vitória. Primeiro ano de Pedro II, festa do Leo. Apesar de ser uma escola pública, era uma das poucas negras da turma e do colégio. Ganhar aquele concurso de dança foi, portanto, uma espécie de popularização da minha imagem para aqueles novos amigos e o mais importante: a certeza de que poderia comprar lanche na hora do recreio, por uma semana.

Foi relembrando essa e outras passagens que recebi a morte de Michael Jackson. Como disse meu amigo Márcio André, independente de se acompanhar ou não o Michael mais recente, sua morte nos traz a infância de volta. Uma memória oscilante, tal qual o mundo emocional do astro, que atua pra frente e pra trás. Daí vêm as lembranças da mais tenra infância, com os Jackson Five, escutado pelo pai e dançado por todos em casa. Uma festa!

Depois, os desencontros. Um Michael cada vez mais branco, cada vez mais perdido, cada vez mais diferente do que parecia ter sido na minha infância e adolescência. Porém, ainda genial, tanto que não se furtou a falar da sua mudança aparente de cor, na canção Black or White: "I'm not going to spend/ My life being a color". De fato ele não se resumiu a ser uma cor, como nunca foi de uma cor só, para o desprezo de brasileiras engajadas racialmente como eu.

Sua Neverland, seu quarto tomado de bichos de pelúcia e outros brinquedos, acusações de pedofilia, máscaras no rosto, nariz cada vez mais afilado, pele sem cor, filho comprado, entre outras excentricidades tornadas públicas. Um artista genial desde os 9, 10 anos de idade, totalmente em desencontro com ele próprio. O Michael que ontem se foi são esses todos e mais aqueles outros que o público não conhecia. Para mim, sua morte faz parte da continuidade do mito, da lenda pop que ele se tornou, com sua voz, suas composições, sua dança, seu carisma. Pessoalmente hoje, da trajetória em desencanto, fico com tudo dos Jackson Five, especialmente a música mais tocante, utilizada belamente em cena de Crooklyn de Spike Lee, Never can say goodbye...

terça-feira, 12 de maio de 2009

A DONA DOIDA TECELÃ

A gente muda nossos caminhos para que belas coisas se nos teçam novamente...Pois então, antes fazia meus exercícios matinais no Dique do Tororó, um das áreas mais lindas de Salvador, com jardineiros ultra cuidadosos, que cuidam da grama e de tudo ali, como se estivessem no quintal de suas casas (quando criança, jamais imaginaria que beberia a água do Dique, mas cantava feliz "Fui no Tororó beber água e não achei..."). Como me mudei, passei a ir para o Campo Grande. Não, a beleza não é decididamente a mesma. Mas... há mais loucos lá.

E com loucos, observando fundo, a gente sempre aprende alguma coisa. Tem uma que freqüenta a padaria aqui em frente ao meu prédio. Sempre bem vestida e com uma pasta, como se estivesse sempre indo para algum curso. Ela anda na ponta do pé. Com certeza, essa queria voar... Nossa constituição sem asas não a deixou, daí... ela enlouqueçou, né? Não agüentou ter que ficar presa a Terra! Se fosse esse meu maior desejo, eu também não agüentaria... Por isso a entendo.

Há lá no Campo Grande uma louca muito interessante. Muito mesmo! Ela é daquelas que andam cheias de sacolas, com sacos dentro, muitos sacos. É o que a gente vê de fora. Mas essa põe ordem na bolsas: tem uma de couro, vermelha e branca, não é possível saber o que há lá dentro, mas está sempre cheia; uma mochila gordíssima, que hoje vi, tem linhas, novelos de linha de várias cores e tamanhos, e coisas tecidas dentro; dois sacos grandes, esses sim cheios de sacos. Sabe-se lá o que há neles. De fora, só se vêem sacos, mas lá podem estar escondidos assim, despretensiosamente, seus maiores segredos, né? Vai saber...

Sempre notava aquela senhora, às vezes quietinha dando comida aos pombos. Roupas e corpo muito limpos. Um cabelo ondulado meio grisalho, gorda, pernas torneadas. Quando senta, suspende a longa saia até os joelhos. Aquela mulher, hoje trapo, parece ter sido bem cortejada no passado.

Mas às vezes ela grita, implica com o traseuntes matinais. É isso... se não gritasse sem censura não seria doida né, gente? E são os gritos dos doidos tão desprezados por todos que me chamam mais atenção. Não bem o que é dito, mas como o corpo todo funciona nessa hora.

A raiva louca, no momento do grito, não é só da pessoa com quem o doido implica, já notaram? É antes uma raiva múltipla: de si próprio, de alguém e do mundo todo, da própria vida, das sombras de si. Sei lá... Só sei que é uma raiva que quer se mostrar, é uma raiva pra todo mundo saber. E essa Dona Doida do Campo Grande, quando está com raiva... Sai de baixo! Ela anda de um lado pro outro, gesticula e xinga. Minha nossa senhora! Algo se quebrou dentro dela, soltou a linha, descarrilhou como dizia minha vó costureira.

Só que desde a última vez que a vi, na semana passada, tenho notado. Quando ela tece, fica calminha, soltando risinhos de felicidades a todos que passam. Hoje tinha um senhor andando com seu cão e ela vociferou bem alto, porém terna: "Ele gosta muito de você, muito mesmo". O senhor prontamente respondeu: "Gosta sim. Eu o trato muito bem." E ela: É, é sim! Deve ser por isso. Ele gosta muito de você." Ela não disse, mas seu olhar também transmitia um "Eu também gosto muito de você, não só seu cão". Impressionante! Ao invés de raiva, ela lançava um olhar de amor sobre o mundo. E crochetava um lindo paninho branco e verde, um verde bem aberto.

Uma doida crocheteira...O que será que ela tece em si enquanto manuseia as agulhas com destreza e lança olhares apaixonados sobre o mundo?

Agora sei, sua calma vem das agulhas... Ao se apropriar dessa atividade de fiar com as mãos, tecer belas formas e cores, render tecidos à vida, algo dentro dela encontra paz. Tal qual Penélope que, na Odisséia, tece o próprio destino ao destecer à noite o tecido do dia, escolhendo esperar o marido sumido na guerra, a Dona Doida tecelã daqui da Soterópolis encontra um canto de conforto dentro de si quando suas mãos se encontram felizes com as agulhas de crochê. Essa tecelã amalucada remonta às nossas milavós que teceram, nos fundos das casas, suas vidas domésticas. Essa doida boa de tecer, ao criar seus panos, cria é textura de poder para a própria vida!

É, foi bom demais vislumbrar a alegria tranqüila no lugar da raiva daquela Doida. Agora já posso cuidar pra ela não mais se enervar. Sem suas agulhas, ela fica doida no encalço, só melhora quando crocheta. Portanto, se ela voltar a andar desesperada pela grama do Campo Grande, antes que grite, paro minha corrida e vou comprar novelos de linha. Dou a ela e ela vai de novo reencontrar em si o canto todo bordado de flores que a constitui... Vendo-a tecer, também eu reencontrarei em mim meu canto rendeira. E assim seremos duas a tecer em belos desenhos as agruras sombrias e as belezas plenas de luz de nossas vidas....



Da série SOULSISTA

quarta-feira, 6 de maio de 2009

EU TENHO SIDO ABENÇOADA HÁ TANTO TEMPO...

Querid@s, saudades disso aqui, sabe? Tantos afazeres, a falta de tempo para as coisas essenciais anda grande. Mas enfim... Vamos nos deliciar um pouco com uma bela música?

Para mim ela é uma oração, uma oração feita por essa linda mulher cheia de curvas, assim como eu. Como diz o sensível filme que minha grande amiga Raquel me presenteou agora no último janeiro, "Las mujeres verdaderas tienen curvas". Atentem para a fisionomia de deslumbramento de toda a platéia de Paris, mas principalmente as meninas da frente, essas sim, escutando, de fato, uma grande verdade. Sintam-se tocada(o)s por Scott...

segunda-feira, 20 de abril de 2009

sábado, 11 de abril de 2009

MINHAS DUAS ANCESTRAIS VIVAS (declaração de amor)

Este texto é antes de qualquer coisa uma declaração de amor. Leli, meu avô, já antigo conhecido dos que me lêem desde o início (setembro de 2008), me deu muito mais presentes do que os apresentados no texto inaugural dessa coisa aqui. Dois dos mais preciosos são duas irmãs dele, minhas tias-avós Zelina e Bubu.

Antes de ontem, sexta-feira santa, dia do almoço sagrado na casa delas desde 2007, voltei da Liberdade me prometendo escrever aqui um texto para homenageá-las. Como acabou não dando pra fazer no dia, a idéia tinha amansado em mim, mas hoje, folheando um esporádico diário que escrevo, achei um texto escrito na primeira semana-santa soteropolitana da minha vida.

Em 13/04/2007, refleti, sob os auspícios de Baco (porque depois de intensa vivência com o mundo delas, só um vinho pra me ajudar a desvelar aquilo tudo dentro de mim), sobre o que representava a vitalidade daquelas arqui-mulheres na minha vida. A vida delas, sem dúvida perto do fim, proporciona que eu ligue as pontas todas dos tempos que me constituem: desde antes de eu nascer até depois de eu desaparecer.

Tais quais os mitológicos personagens de Guimarães Rosa, minhas lindas tias vivinhas da silva guardam uma alegria de viver, uma lucidez e uma fé, no mais profundo sentido que essa palavra possa ter, que é de cansar qualquer jovem que se sente ao lado delas para escutar suas saborosas histórias, exaustivamente repetidas, né? Normal... Mas sempre, no meio da repetição de histórias d´antes, vem um personagem novo que eu não conhecia ou uma faceta nova de personagens já conhecidos.

Nessa sexta mesmo, descobri que meu avô já trabalhou voando. Bem novinho, era radiotelegrafista de bordo e orientava o piloto bem ao lado dele, ali da cabine. Isso ele nunca tinha me contado. Lelinho me contava heróicas histórias do trabalho dele em terra, explicando como orientava, a partir dos tipos de ventos e de outros fenômenos metereológicos, os pilotos a saírem de enrascadas que poderiam levar a sérios acidentes. Ele de fato entendia os mistérios dos aviões e sua voz traduzia um verdadeiro amor pela aviação. Pois foi a pedido de sua mãe, Dedé, que meu avôzinho parou de voar, ainda bem jovem. Nossa... uma mente que ama imaginar o não acontecido como a minha, já me levou a pensar quão mais audacioso seria meu avô se tivesse continuado a furar céus, voando nessas enormes aeronaves por aí.

Sem as inspiradas versões de minhas tias, jamais tomaria conhecimento disso e de outras histórias da minha família. Elas são o contraponto do meu avô, porque, se ele dourava a pílula e mostrava um mundo só de encantamento, elas me contam as mesmas passagens por outras perspectivas e vão logo dizendo. "Seu avô, ah, pra ele tudo era bonito e perfeito, Fafá, mas papai não era mole não... mulherengo que só ele". "Dedé, nossa mãe, era ótima! Mas não queria que suas filhas se casassem. Não é porque ela tinha sido infeliz no casamento que nós seríamos, né? Não entra nessa não, viu, Fafá, se case!" Por esse senso de realidade, minha visão delas mudou radicalmente. Antes de vir para Salvador e ficar mais próxima do mundo ultra-contemporâneo delas, minhas tias se resumiam a ser as carolas da família. Aquelas mulheres que se refugiaram na fé católica por medo da vida, dos encantos sensuais ou eróticos que nos fazem queimar, para o bem e para o mal.

Ledo engano meu! A fé dá não só sentido, como lucidez e erotismo a suas vidas. Quando falam em homens do passado ou do presente mesmo, os olhos delas vibram e eu vibro por dentro, por ver que estão vivas e que sentem prazer, um amor pela vida que as levam a não querer ir embora deste mundo. Ah, esqueci de dizer, Tia Bubu tem 94 anos (é a mais velha de todos os filhos de Dédé e Phillipe) e Tia Zelina completará 91 agora no proximo 27, apenas 3 dias após o meu aniversário (só para avisar aos leitores daqui, ta?). Vale contar, em separado, fragmentos da história de cada uma, porque é da riqueza da trajetória de minhas velhas tias pretas que eu bebo água benta e purifico meu corpo...



Tia Zelina foi a mulher desbravadora da família. Uma perspicaz aluna que fez parte do grupo das dez melhores notas de uma importante escola normal de Salvador. Os estudos dela foram custeados pelo meu avô, que na época, já trabalhava, e alugou uma casa na capital, pois seria pouco prática a vinda diária da Ilha (de Itaparica) pra cá. Tia Zelina foi professora num tempo em que era necessário ir a lugares pouco habitados do norte e nordeste do país. Embrenhou-se por terras indígenas da Amazônia. Num desses lugares, ela conta, decidiu voltar para Itaparica 6 meses depois, pois sofria com saudades da sua terra e família. Alunos-garimpeiros ofereceram fortuna em ouro e diamante, para que ela não fosse embora. Sempre que acaba de contar essa história, ela diz: "Nós poderíamos ser milionárias hoje, Fafá! Mas eu não aceitei." No meio de suas histórias de viagem, ela demonstra certo arrependimento por não ter tido coragem de continuar viajando, descobrindo mundos diferentes dos seus. Suas histórias são uma maneira de se rever, já no fim da vida, refletindo sobre o que sabe que não poderá mais fazer.

Tia Zelina gosta tanto da vida que o que mais a angustia, mesmo com toda fé que tem no Santíssimo, é a proximidade da morte. Isso ultimamente a tem deixado sem sono, mas perder a lucidez, ela não perde não. Agora, essa tristeza toda vai embora, quando a casa se enche de gente e a festa começa: são vizinhos entrando e saindo, padre que reza para Nossa Senhora lá, benze a casa e depois todos da comitiva religiosa se fartam com delicioso café da manhã, é gente passando para vender peixe, beiju, ex-alunas que ligam.

Aniversário naquela casa tem que ser comemorado com bolo bonito, todo confeitado e em forma de coração. Nos seus 90 anos, a casa se encheu de ex-alunas-afilhadas do Baiacu (uma região da Ilha de Itaparica). Hoje as antigas menininhas são avós ou bisavós que ainda guardam profundo amor e respeito por aquela mulher preta e distinta que lhes ensinou as primeiras letras. A foto a seguir, mostrandoTia Zelina rodeada por suas eternas alunas, me leva a entender que minha função hoje, como professora, faz parte de uma linhagem de resistência que se estende, pelo menos, desde a década de 30 do século XX.



Tia Bubu é outra coisa, complementa o lado ansioso de Tia Zelina, mas ela é melhor que todo mundo. Pra mim, ela representa tudo o que eu jamais poderia ser: desde o desprendimento para cuidar dos outros, a bondade extrema até a virgindade. É isso mesmo, gente! Minha tia sairá deste mundo talvez sem ter sequer se aproximado da boca de um homem (nem falo de mulher, porque isso ela jamais consideraria). Mas, entendam, o moralismo passa longe dessa mulher criada para ficar em casa, para ser aquela que cuida dos outros porque é assim que tem que ser. Na última sexta-feira, emocionada fiquei, quando soube que foi ela quem cuidou do meu bisavô Phillipe quando ele já se encontrava nas últimas. Na hora de dar banho, ele ficava muito incomodado e dizia: "Quem tinha que fazer isso era meu filho homem". Ela rapidamente respondia: "Mas ele não está aqui. Mora longe. E de mais a mais eu sou sua filha. Deixa de besteira!!!!"

Seu nome, Áurea, eu não sei por quem foi dado, mas com certeza foi alguém com ares de feiticeiro para saber que a personalidade dessa mulher seria de ouro mesmo. Ao contrário de sua irmã docemente ranzinza, Buba gosta de tudo que dá prazer (doces, comida boa e, pasmem, piadinhas de sacanagem, depois das quais vemos ecoar sua forte gargalhada pela casa a fora). Mandou uma sacanagenzinha, ela capta na hora, mesmo com ouvidos que não ajudam mais tanto assim. Quem chegar com bala, ela vai logo aceitando, às vezes escondida da irmã, sempre preocupada com o nível de açúcar no sangue, com a alteração de pressão. Tia Bubu quer mais é viver sem reclamar e aproveitar feliz o tempo que resta por aqui. Por isso, quando Tia Zelina começa suas reclamações sem fim, ela vai logo cortando: "Vamos parar com isso, minha gente! Podemos viver sem reclamar. O sofrimento fica pra trás." Tia Zelina geralmente obedece, mesmo que a contragosto.

A minha alta gargalhada é de Buba com certeza. O meu "gente", arremedado por tantos amigos, é dela com certeza, essas memórias atávicas que se cravam na gente, sabe? Mesmo tendo crescido longe delas, nossa linguagem tem muito em comum. Ah, já ia me esquecendo, mas meu nariz também é de Buba, assim como o de minha mãe, do meu irmão Felipe (esse com outra grafia), de Morena e de João. Todos nós ligados assim... desde a mulher de ouro! Pra mim, é um conforto saber que eu me estendo para antes do meu corpo se constituir como tal em duas vívidas mulheres negras.



Para terminar, parafraseio toscamente - como é bom poder ser tosca aqui, meu deus!- Clarice Lispector e Elisa Lucinda, usando a 2a. pessoa do plural, em sinal de respeito por aquelas que vieram muito antes de mim e continuam por aqui, me dando o privilégio de conhecer grande parte da matéria de que sou feita.

Tia Zelina e Tia Bubu, eu vos amo! Diariamente morro por vosso perfume, aquela lavanda de depois do banho das 18:00, aquele talco perfumado à velhice boa, das mulheres tomadas banho de todas as nossas famílias pretas por aí...



Série SOULSISTA