terça-feira, 12 de maio de 2009

A DONA DOIDA TECELÃ

A gente muda nossos caminhos para que belas coisas se nos teçam novamente...Pois então, antes fazia meus exercícios matinais no Dique do Tororó, um das áreas mais lindas de Salvador, com jardineiros ultra cuidadosos, que cuidam da grama e de tudo ali, como se estivessem no quintal de suas casas (quando criança, jamais imaginaria que beberia a água do Dique, mas cantava feliz "Fui no Tororó beber água e não achei..."). Como me mudei, passei a ir para o Campo Grande. Não, a beleza não é decididamente a mesma. Mas... há mais loucos lá.

E com loucos, observando fundo, a gente sempre aprende alguma coisa. Tem uma que freqüenta a padaria aqui em frente ao meu prédio. Sempre bem vestida e com uma pasta, como se estivesse sempre indo para algum curso. Ela anda na ponta do pé. Com certeza, essa queria voar... Nossa constituição sem asas não a deixou, daí... ela enlouqueçou, né? Não agüentou ter que ficar presa a Terra! Se fosse esse meu maior desejo, eu também não agüentaria... Por isso a entendo.

Há lá no Campo Grande uma louca muito interessante. Muito mesmo! Ela é daquelas que andam cheias de sacolas, com sacos dentro, muitos sacos. É o que a gente vê de fora. Mas essa põe ordem na bolsas: tem uma de couro, vermelha e branca, não é possível saber o que há lá dentro, mas está sempre cheia; uma mochila gordíssima, que hoje vi, tem linhas, novelos de linha de várias cores e tamanhos, e coisas tecidas dentro; dois sacos grandes, esses sim cheios de sacos. Sabe-se lá o que há neles. De fora, só se vêem sacos, mas lá podem estar escondidos assim, despretensiosamente, seus maiores segredos, né? Vai saber...

Sempre notava aquela senhora, às vezes quietinha dando comida aos pombos. Roupas e corpo muito limpos. Um cabelo ondulado meio grisalho, gorda, pernas torneadas. Quando senta, suspende a longa saia até os joelhos. Aquela mulher, hoje trapo, parece ter sido bem cortejada no passado.

Mas às vezes ela grita, implica com o traseuntes matinais. É isso... se não gritasse sem censura não seria doida né, gente? E são os gritos dos doidos tão desprezados por todos que me chamam mais atenção. Não bem o que é dito, mas como o corpo todo funciona nessa hora.

A raiva louca, no momento do grito, não é só da pessoa com quem o doido implica, já notaram? É antes uma raiva múltipla: de si próprio, de alguém e do mundo todo, da própria vida, das sombras de si. Sei lá... Só sei que é uma raiva que quer se mostrar, é uma raiva pra todo mundo saber. E essa Dona Doida do Campo Grande, quando está com raiva... Sai de baixo! Ela anda de um lado pro outro, gesticula e xinga. Minha nossa senhora! Algo se quebrou dentro dela, soltou a linha, descarrilhou como dizia minha vó costureira.

Só que desde a última vez que a vi, na semana passada, tenho notado. Quando ela tece, fica calminha, soltando risinhos de felicidades a todos que passam. Hoje tinha um senhor andando com seu cão e ela vociferou bem alto, porém terna: "Ele gosta muito de você, muito mesmo". O senhor prontamente respondeu: "Gosta sim. Eu o trato muito bem." E ela: É, é sim! Deve ser por isso. Ele gosta muito de você." Ela não disse, mas seu olhar também transmitia um "Eu também gosto muito de você, não só seu cão". Impressionante! Ao invés de raiva, ela lançava um olhar de amor sobre o mundo. E crochetava um lindo paninho branco e verde, um verde bem aberto.

Uma doida crocheteira...O que será que ela tece em si enquanto manuseia as agulhas com destreza e lança olhares apaixonados sobre o mundo?

Agora sei, sua calma vem das agulhas... Ao se apropriar dessa atividade de fiar com as mãos, tecer belas formas e cores, render tecidos à vida, algo dentro dela encontra paz. Tal qual Penélope que, na Odisséia, tece o próprio destino ao destecer à noite o tecido do dia, escolhendo esperar o marido sumido na guerra, a Dona Doida tecelã daqui da Soterópolis encontra um canto de conforto dentro de si quando suas mãos se encontram felizes com as agulhas de crochê. Essa tecelã amalucada remonta às nossas milavós que teceram, nos fundos das casas, suas vidas domésticas. Essa doida boa de tecer, ao criar seus panos, cria é textura de poder para a própria vida!

É, foi bom demais vislumbrar a alegria tranqüila no lugar da raiva daquela Doida. Agora já posso cuidar pra ela não mais se enervar. Sem suas agulhas, ela fica doida no encalço, só melhora quando crocheta. Portanto, se ela voltar a andar desesperada pela grama do Campo Grande, antes que grite, paro minha corrida e vou comprar novelos de linha. Dou a ela e ela vai de novo reencontrar em si o canto todo bordado de flores que a constitui... Vendo-a tecer, também eu reencontrarei em mim meu canto rendeira. E assim seremos duas a tecer em belos desenhos as agruras sombrias e as belezas plenas de luz de nossas vidas....



Da série SOULSISTA

quarta-feira, 6 de maio de 2009

EU TENHO SIDO ABENÇOADA HÁ TANTO TEMPO...

Querid@s, saudades disso aqui, sabe? Tantos afazeres, a falta de tempo para as coisas essenciais anda grande. Mas enfim... Vamos nos deliciar um pouco com uma bela música?

Para mim ela é uma oração, uma oração feita por essa linda mulher cheia de curvas, assim como eu. Como diz o sensível filme que minha grande amiga Raquel me presenteou agora no último janeiro, "Las mujeres verdaderas tienen curvas". Atentem para a fisionomia de deslumbramento de toda a platéia de Paris, mas principalmente as meninas da frente, essas sim, escutando, de fato, uma grande verdade. Sintam-se tocada(o)s por Scott...