quinta-feira, 30 de outubro de 2008

RECEBI UMA GRANDE AULA DE CIDADANIA

Ao me lembrar da oficina de formação de educadores de que participei na penúltima semana de outubro, rememoro líricas palavras de Beatriz Nascimento ditas no belíssimo documentário "Orí" (aliás, ainda não dou conta de falar desse filme, mas sei que precisarei escrever sobre ele aqui. Por enquanto estou tomada pelo sentimento de mundo, ao rememorar a todo instante cenas poéticas e combativas, o corpo negro todo ali presente e uma linda voz feminina vociferando mansa, em toda sua plenitude. Mas esse assunto ficará para outra postagem).

Voltando à atividade no RJ e às palavras de Bia: "vai ser um drama pra gente neste século agora, estão dizendo que a Terra pode ser ameaçada, deixar de existir. Há mil correntes que estão pensando, preocupadas, muita gente cuidando daqui. É justamente essa dimensão, a dimensão de que você é um instrumento, você é um instrumento dentro do universo."

Somos, de fato, instrumentos dentro desse universo que conhecemos tão pouco. Por isso, tenho certeza de que não fui parar à toa na Fundação Darcy Ribeiro para trabalhar com educação popular. Tudo fez sentido à medida que fui entendendo onde estava, quem eram meus pares e quais seriam os meus papéis ali, como educadora, cidadã e carioca da gema entristecida pelo canto rascante que há duas décadas , pelo menos, vem ecoando em minha cidade.

Em exatas 24 horas preparei uma ida ao RJ para fazer uma semana de capacitação para um programa de Segurança Pública que busca trabalhar a violência urbana não através do controle pela força repressiva, mas a partir da transformação pela cidadania. No primeiro dia, ao escutar mulheres e homens contarem um pouco de suas riquíssimas trajetórias de vida conjugadas a um sincero engajamento político, vi logo que o presente que tinha recebido era bem maior do que imaginara. A convivência de 4 dias com Daniels, Jailtons, Marícias, Susis, Edmares, Eusélias, Cíntias, Niltons, entre tantas outras e outros, me mostrou mais uma vez, só que de maneira intensa e terna, o quanto estratégias de resistência e libertação são criadas no interior mesmo dos sofredores e marginalizados do mundo.

Assim, constatei logo que ali não tinha muito a ensinar - até porque nem acredito no sentido corrente desse verbo. O conhecimento, a meu ver, é construído coletivamente num ato de profunda comunhão emocional, intelectual e cósmica que muito ultrapassa os limites de uma mera transmissão de ensinamentos ou frases feitas. Ali estava, portanto, disposta a compartilhar um pouco da minha experiência profissional e a escutar, escutar muito... Belas histórias de superação e alegria, uma alegria carregada de potência transformadora. Por isso agradeço não só à guerreira Rita Andréa, mas a todos os profissionais comprometidos com esse importantíssimo programa que se inicia. Agradeço principalmente aos educadores de tantas profissões diferentes que dividiram seus dias comigo e com Rita, debatendo, refletindo, se emocionando, brigando e rindo, rindo muito. Nosso riso ali não era gratuito, era sim um riso de combate esperançoso e de entusiasmo, um riso de seres humanos que sabem ser instrumentos num universo de várias cores, tons e vozes.

O vídeo totalmente caseiro que aparece aqui vem com a emoção do momento. Inclusive a lente balança quando a autora deste blog bate palmas entusiasmada. Trata-se do pedaço final de um coro preparado coletivamente e regido pelo excelente músico-educador Edmar Guiã. Esse coro polifônico de diferentes cantigas de roda diz muito sobre o campo das possibilidades. As falas dos participantes após o coro indicam o quanto nosso encontro foi radical, no sentido mesmo de ir às origens; descer, descer e voltar diferente, nova, transformada.

Vida longa ao PRONASCI!!! Que não seja mais uma política pública interessante, porém abruptamente interrompida!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

INTELECTUAIS E ESCRITORAS NEGRAS NA LETRAS DA UFBA

A NOITE NÃO ADORMECE NOS OLHOS DAS MULHERES
Em memória de Beatriz nascimento
A noite não adormece nos olhos das mulheres a lua fêmea, semelhante
nossa, em vigília atenta vigia e
nossa memória.

A noite não adormece nos olhos das mulheres há mais olhos que sono onde lágrimas suspensas virgulam o lapso de nossas molhadas lembranças.

A noite não adormece nos olhos das mulheres vaginas abertas retêm e expulsam a vida donde Ainás, Nzingas, Ngambeles e outras meninas luas afastam delas e de nós os nossos cálices
de lágrimas.

A noite não adormece jamais nos olhos das fêmeas pois do nosso sangue-mulher do nosso líquido lembradiço em cada gota que jorra um fio invisível e tônico pacientemente cose a rede de nossa milenar resistência

Conceição Evaristo



SEMINÁRIO: ESCRITORAS
E INTELECTUAIS NEGRAS

Por séculos as mulheres foram representadas através de imagens de santa ou de devassa, representações que negavam qualquer possibilidade de outros modelos. Com as mulheres negras os sistemas de representação foram ainda mais cruéis, tentaram invisibilizá-las representando-as como corpos a serem usufruídos pelas tradições eurocêntricas para o trabalho ou para a atividade sexual. Entretanto, elas exerceram atividades importantes na vida social e cultural do Brasil e da diáspora desde que aqui chegaram: comerciantes, zeladoras dos cultos religiosos, ativistas em revoltas e rebeliões, poetas, ganhadeiras, professoras, mães, entre outras, foram algumas das funções exercidas pelas mulheres negras no processo de insubmissão à fixidez dos discursos de representação discriminatórios. A invisibilização torna-se mais intensa quando as mulheres negras começam invadir as privilegiadas áreas do chamado saber intelectual e levam o prosaico, o cotidiano e privado para o interior de suas elaborações teóricas e artísticas. Em geral, seus textos são ignorados ou depreciados. O Seminário Escritoras e Intelectuais Negras visa a trazer para cena escritoras e intelectuais negras contemporâneas que se apossam da linguagem escrita e através dela expõem suas idéias, sentimentos e demandas.



Local: UFBA – SALA 08 – LABIMAGEM – INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMAÇÃO
29/10 Quarta-feira
15h - ABERTURA
Apresentação das Intelectuais negras
15: 30 – Filme
17:30 – Debate
31/10 Sexta-feira
9:15h às 11:15h – Sessão de Comunicação
11:15h às 12:15h - Debates
14: 00h – Sessão de Comunicação
16: 00h – Palestra – Mesa com as Escritoras Baianas
17:30 – Debates
18:00 – Encerramento.
Inscrições Gratuitas*:

Enviar dados: Nome, curso e instituição para o e-mail

* Serão fornecidos certificados para os participantes com 75% de freqüência

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A LUZ DE UM VENCEDOR

Quem não lutar

Pra conquistar o que sonhou

Fazer por merecer

Se iluminar

Com a luz que há no vencedor

Pode até ganhar

E méritos não ter


Aquecer

Os seus ideais em muito amor

Com o poder nas mãos não brincar

O arvoredo do mal derrubar

E arrancá-lo bem na raiz

Sua vida no bem sublimar

Pra ajudar a erguer o pilar

De um mundo bem mais feliz


ALÉM DA RAZÃO


Por te amar

Eu pintei

Um azul, do céu se admirar

Até o mar adocei

E das pedras leite eu fiz brotar

De um vulgar fiz um rei

E do nada o império pra te dar

A cantar eu direi o que eu acho então o que é amar

É uma ponte lá para o longe dos horizontes

Jardim sem espinhos

Vinho que vai bem em qualquer canção

Roupa de vestir qualquer estação

É uma dança, paz de criança

Que só se alcança se houver carinho

É estar alem da simples razão


A luz desse vencedor de voz única encantou e ajudou a erguer um mundo bem mais feliz pra gente, nos lindos sambas cantados em roda, nas Kizombas por ele inventadas, na ternura, na poesia, na intuição, na alegria. Que ele vá agora, com sua voz, misto de pastorinha e de pastor, encantar novos mundos. Descansar, sentado ao lado de Candeia e de outros parceiros.


É, perdemos algo de iluminado e muito doce hoje. Pelo menos duas Vilas chovem sombrias. O Rio todo hoje chora! Olorun, porém, acabou de ganhar intensa luz e muita sabedoria, por isso há riso, muito riso lá. AXÉ, LUIZ! PARA SEMPRE AXÉ!


LUIZ CARLOS DA VILA (1949-2008)


domingo, 19 de outubro de 2008

frágeis suicidas

Para Nadja Pinheiro

Loucas as formigas! Sedentas por doce, elas não comem o mel pelas beiradas, preferem, doidas varridas, afogar-se no pote melado. Doidinhas elas... Infernizam-me diariamente na cozinha, mato-as todas que, sem noção do perigo, seguem, quase cegas, seu destino absoluto: afogarem-se num mar marrom.


Hoje, olhei pras suicidas de um jeito diferente e vi que são melhores do que eu em alguma coisa, apesar da fragilidade engraçada de seus corpos. Elas morrem pelo desejo do doce. Por que morro eu, meu deus? Corrôo-me por não saber meus desejos mais profundos e nem por que causa afogar-me-ia, sem tino, num mar de delícias. Nem sei se vou matar mais essas doidas varridas. Vou é protegê-las da própria insanidade, criando obstáculos entre elas e o objeto maior de desejo. Pobres coitadas, escravas de um mundo todo açucarado. E eu? Pobre coitada de mim? Escrava não sei nem do quê, no meu mundinho a matar formigas invasoras dos meus docinhos de nada!

(Escrito numa sexta-feira, final da manhã, bem depois de, indignada, ter tomado um café com leite melado de formiguinhas suicidas)

Série OS NADAS DE LUGAR NENHUM

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

a kind of afro-minina soul ou lembrança de morrer

Tem uma vizinha minha aqui no Garcia que bebia até cair, agora não pode mais, sua garganta não deixa, seu corpo já não mais responde ao ato de engolir qualquer coisa. Pela primeira vez vi placidez, calma e tranqüilidade no seu olhar. Um corpo esquálido, a garganta inchada com uma bola do lado direito, expondo o cancro que toma desde a garganta até as entranhas. O corpo indica que são seus últimos dias na terra e seu olhar. Nossa, seu olhar transmite paz. Uma paz que não via há muito no corpo daquela mulher. Seu andar é mais do que vagaroso, seus movimentos quase que são parados, sua voz já não existe, mas o olhar calmo resplandece uma inusitada alegria. Ao olhá-la sinto um arrepio fortíssimo, não simplesmente porque ela está mais perto do mistério que nos envolve a todos, mas especialmente porque seu corpo representa inúmeras dores afro-mininas acumuladas, tantas que nem sei.

Mulher negra, pobre, mãe desempregada, solitária, sem dinheiro pra comprar remédios, precisando de todo o tipo de afeto, talvez o que nunca teve desde a sua chegada a esse lugar onde vivemos. Os antigos daqui dizem que teve uma vida boa, tinha um trabalho bom, ganhava bem, mas que um feitiço fez ela entrar em decadência e, a partir daí, começou a beber até se liberar da realidade. Diariamente seu café da manhã era no mercadinho do Largo — 51 com goiabada. Até o início desse ano, Ana Amélia, esse é o seu nome, andava cambaleante e cabisbaixa. Mas agora não, ao andar trôpega, ergue a cabeça, mostrando a todos seu olhar sereno e sua bola de células anárquicas no pescoço. A vagareza do corpo não combina com o brilho do seu olhar.

Pensando bem... Combina sim. Talvez esse sempre tenha sido o desejo profundo desse corpo que hoje, hoje sim se mostra inteiro: parar. tornar-se imóvel. jamais sentir dor. jamais doer. jamais...

Série BLUES (Poster El vuelo del alma - Keith Mallet)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

SOU PROFESSORA SIM, E DAÍ?



Uma vez um renomado antropólogo do Rio, professor da UFF inclusive, fez uma declaração a mim mais ou menos assim: "essa história de ser professora não dá. Tá ultrapassada. Ainda mais de escola básica." É, antropólogos renomados também dizem grandes besteiras. Fui pega de surpresa. Na hora fiquei entupida, mas agora lhe respondo em forma de homenagem a muitos dessas mulheres e homens que compõem minha vida, dando-me diariamente lições acerca desse complexo mundo.
Na verdade, mais do que professores, elas e eles têm sido, em diferentes fases da minha vida, educadores, na acepção plena da palavra, tendo me transmitido conteúdos formais, acadêmicos, sociais, políticos e existenciais. Dessa forma, o texto abaixo de Rubem Alves (inclusive foi o texto usado em minha prova de aula no concurso para o Colégio Pedro II) é dedicado aos educadores e amigos de jornada que têm passado pela minha vida. Listarei alguns nomes, mas ainda há milhares de outros que, por falta de espaço, aqui não caberiam. Dessa forma, comemoramos unidos por belas palavras o dia de hoje!
Dedido então à Lina (mãe), Tia Carminha (3ª série, ensino fundamental), Maria Georgete (piano), Charles Nelson (dança), Claudia Damasio (corpo), Ricardo (história, ensino Médio), Fernando Décio (filosofia, ensino médio), às iluminadas Helena Godoy e Guaciara (literatura, ensino médio), Ângela Fabiana (gradução), Terezinha Val (graduação), Cinda Gonda (graduação), Carmen Lúcia Tindó Ribeiro Secco (graduação, pós, orientadora do mestrado), Ronaldes de Melo e Souza (mestrado), Florentina Souza (orientadora do doutorado). Aos amigos, colegas de jornada, educadores políticos de sempre: Simone Grecco, Manoel Santana, Emílio, Beatriz Lanziero, Heloísa, Silvana Bayma, Claudia Fabiana, Solange Nasimento, Paulo Rogério, Manoel de Carvalho Almeida, Máxima, Claudia Miranda, Adjoa Jones de Almeida, Glória Viana, Celiza Soares, Azoilda Loretto, Maria Anória Oliveira, entre outras e outros que com certeza esqueci.

Aprendo porque amo


Recordo a Adélia Prado: "Não quero faca nem queijo; quero é fome". Se estou com fome e gosto de queijo, eu como queijo... Mas e se eu não gostar de queijo? Procuro outra coisa de que goste: banana, pão com manteiga, chocolate... Mas as coisas mudam de figura se minha namorada for mineira, gostar de queijo e for da opinião que gostar de queijo é uma questão de caráter. Aí, por amor à minha namorada, eu trato de aprender a gostar de queijo.
Lembro-me do filme "Assédio", de Bernardo Bertolucci. A história se passa numa cidade do norte da Itália ou da Suíça. Um pianista vivia sozinho numa casa imensa que havia recebido como herança. Ele não conseguia cuidar da casa sozinho nem tinha dinheiro para pagar uma faxineira. Aí ele propôs uma troca: ofereceu moradia para quem se dispusesse a fazer os serviços de limpeza.
Apresentou-se uma jovem negra, recém-vinda da África, estudante de medicina. Linda! A jovem fazia medicina ocidental com a cabeça, mas o seu coração estava na música da sua terra, os atabaques, o ritmo, a dança. Enquanto varria e limpava, sofria ouvindo o pianista tocando uma música horrível: Bach, Brahms, Debussy... Aconteceu que o pianista se apaixonou por ela. Mas ela não quis saber de namoro. Achou que se tratava de assédio sexual e despachou o pianista falando sobre o horror da música que ele tocava.
O pobre pianista, humilhado, recolheu-se à sua desilusão, mas uma grande transformação aconteceu: ele começou a freqüentar os lugares onde se tocava música africana. Até que aquela música diferente entrou no seu corpo e deslizou para os seus dedos. De repente, a jovem de vassoura na mão começou a ouvir uma música diferente, música que mexia com o seu corpo e suas memórias... E foi assim que se iniciou uma estória de amor atravessado: ele, por causa do seu amor pela jovem, aprendendo a amar uma música de que nunca gostara, e a jovem, por causa do seu amor pela música africana, aprendendo a amar o pianista que não amara. Sabedoria da psicanálise: freqüentemente, a gente aprende a gostar de queijo por meio do amor pela namorada que gosta de queijo...
Isso me remete a uma inesquecível experiência infantil. Eu estava no primeiro ano do grupo. A professora era a dona Clotilde. Ela fazia o seguinte: sentava-se numa cadeira bem no meio da sala, num lugar onde todos a viam —acho que fazia de propósito, por maldade—, desabotoava a blusa até o estômago, enfiava a mão dentro dela e puxava para fora um seio lindo, liso, branco, aquele mamilo atrevido... E nós, meninos, de boca aberta... Mas isso durava não mais que cinco segundos, porque ela logo pegava o nenezinho e o punha para mamar. E lá ficávamos nós, sentindo coisas estranhas que não entendíamos: o corpo sabe coisas que a cabeça não sabe.
Terminada a aula, os meninos faziam fila junto à dona Clotilde, pedindo para carregar sua pasta. Quem recebia a pasta era um felizardo, invejado. Como diz o velho ditado, "quem não tem seio carrega pasta"... Mas tem mais: o pai da dona Clotilde era dono de um botequim onde se vendia um doce chamado "mata-fome", de que nunca gostei. Mas eu comprava um mata-fome e ia para casa comendo o mata-fome bem devagarzinho... Poeticamente, trata-se de uma metonímia: o "mata-fome" era o seio da dona Clotilde...
Ridendo dicere severum: rindo, dizer as coisas sérias... Pois rindo estou dizendo que freqüentemente se aprende uma coisa de que não se gosta por se gostar da pessoa que a ensina. E isso porque —lição da psicanálise e da poesia — o amor faz a magia de ligar coisas separadas, até mesmo contraditórias. Pois a gente não guarda e agrada uma coisa que pertenceu à pessoa amada? Mas a "coisa" não é a pessoa amada! "É sim!", dizem poesia, psicanálise e magia: a "coisa" ficou contagiada com a aura da pessoa amada.
Minha avó guardava uns bichinhos que haviam pertencido a um filho que morrera. Guardo um peso de papel, de vidro, que pertenceu ao meu pai. E os apaixonados guardam uma peça de roupa da pessoa amada e a colocam sobre o travesseiro, ao dormir... Mesmo depois de ela ter morrido. É como se, por meio daquela "coisa" que não é a pessoa amada, fosse possível tocar e acariciar a pessoa amada, ausente.
Pois o mesmo mecanismo acontece na educação. Quando se admira um mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender as coisas que o mestre sabe. Saber o que ele sabe passa a ser uma forma de estar com ele. Aprendo porque amo, aprendo porque admiro. Sabendo o que ele sabe eu carrego a sua pasta, como o "mata-fome", faço amor com ele.
Lamento dizer isso: tive poucos mestres que admirasse. Lembro-me de um que admiro até hoje, embora já se tenham passado mais de 50 anos: Leônidas Sobrinho Porto. Professor de literatura, nunca nos atormentou com informações sobre nomes e escolas literárias. Ele sabia que não aprenderíamos. Mas quando ele se punha a falar, era como se estivesse possuído. Falava com tal paixão sobre as grandes obras literárias que era impossível não ser contagiado. Eu o admirava porque nele brilhava a beleza da literatura, "queijo" de que eu não gostava. Ele me fez amar a literatura.
A dona Clotilde nos dá a lição de pedagogia: quem deseja o seio, mas não pode prová-lo, realiza o seu amor poeticamente, por metonímia: carrega a pasta e come "mata-fome"...

Rubem Alves é educador, psicanalista e escritor. Site - www.rubemalves.com.br

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A uma poesia de pessoa

Então, gente! Como não poderia ser amante de palavras? Vivo cercado por elas e outros amantes dela me conceberam. Pois é, sempre soube que meu pai escrevia versos por aí, mas seus textos viviam trancados em uma mala (pelo menos essa era a lenda lá em casa...).
Eu mesma só tive acesso a uma letra de música no início da adolescência (apartamento da Senador Vergueiro, um grande quarto para minha irmã, meu irmão ainda pequeno e eu - imaginem o reboliço!!!). Meu pai, nessa época de grande bagunça em nosso quarto, fez um sambinha sobre as milhares de atividades dos seus 3 filhos. Enquanto um jogava Atari, a outra se vestia para ir ao cinema e a outra ainda estudava alto para enlouquecer de vez a casa. Só lembro que vivíamos cantando o refrão do samba e nosso pai acompanhando no violão. Cena cômica!(ai ai, boas memórias... Nossa casa sempre foi barulhenta e hoje se gosto de altos decibéis que, às vezes, atrapalham a vida de meus vizinhos, devo à extensa coleção de vinil de meu pai, a essa casa de muitos barulhos).
A família toda diz, e hoje, depois de algum sofrimento, sei que é verdade: eu tenho muita coisa dele, da introversão e timidez à forma incisiva de expor nossas verdades. Se é pra falar alto o que pensamos, a gente grita mesmo, né, pai!
Depois de alguns conflitinhos (olha o eufemismo!), posso dizer que ele é um grande amigo e que é bom demais ser amigo do meu querido pai.
Aproveito para reverberar aqui que também sou Peixoto, viu? Se escolhi só o Lima de meu nome é porque o Lima mais querido de nossa família permanece sempre vivo dentro de mim, mesmo depois de ter ido embora deste mundo.
Isso tudo é para contar que enfim tive acesso a um poemeto de sua lavra. Semana passada fui presenteada por alguns versos de meu pai que aqui reproduzo. A emoção de ler os fofíssimos versos no mesmo dia em que mais um integrante de nossa família veio ao mundo foi indescritível.

A uma poesia de pessoa

Fabi,se chego da rua,
Ao descer do ônibus em frente ao meu prédio,
Olho para cima, sexto andar, tudo apagado.
Até aí tudo bem,
Já que entrando em casa talvez seja outro o remédio
Abro a porta, entro,
De fato tudo está quieto, calado,
Tudo mais ou menos arrumado, sem rebuliço,
Em mansidão, calmaria, como se em tédio.
Na cozinha, a geladeira sem yogurte, sem mamão,
Também sem queijo minas, frios light, mate diet limão
Retratos de uma presença recente, você, com seu ritmo,
Com sua tocada toda especial, seu diapasão,
Seu timbre pessoal, a risada fácil e com muitos decibéis,
O agito permanente, o pique nervoso, seu cabelo, seus anéis,
O cheiro forte dos perfumes, dos cremes,
Tapete meio enrolado, sua presença simultânea à sua ausência,
Ritmo frenético, agitado, coisa sua, tudo sem maldade.
São marcas de uma filha que muito admiro,
Que ficaram nos diversos cantos da casa
Para assaltar-me com um sentimento de muita saudade.

Pai, te amo!!! João, seja muito bem-vindo a esse doido e delicioso mundo!

sábado, 11 de outubro de 2008

soulsista