segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pipa vive mesmo é no céu...


A gente se emociona com cada coisa nesta vida... Pois então, esta semana todos lá em casa (mesmo todo mundo morando em casas diferentes, a casa continua sendo lá) ficamos muito tocados com a morte de um jovem vizinho da minha mãe. Lina Lúcia, minha mãe, há poucos meses se mudou para o Encantado, subúrbio do Rio, e lá tínhamos a companhia constante de Lambari, quase sempre no portão da casa dela, em frente à loja de pipas que ele possuía. Sua vida se resumia àquela rua e era uma vida colorida de pipeiro.

Os mistérios de Lamba só conhecemos mesmo esta semana. Várias incongruências da vida da maioria dos pobres brasileiros fizeram com que o sepultamento fosse marcado por um grande desamparo. Não é que hoje abro o email e encontro estas lindas palavras de minha mãe, contando sua dor e seu carinho por um vizinho terno que oficialmente não era ninguém.


"Quando comprei a casa do Encantado o conheci.

Sempre sorridente, aliás, o sorriso fazia parte dele. Quem é aquele rapaz gordinho e simpático?
Aos poucos fui o conhecendo e soube que se chamava Luciano, ou melhor, Lambari. Lambari porque era assim que o Encantado inteiro o chamava. Esse era o seu apelido porque desde pequeno era barrigudinho.

As crianças o amavam assim como ele as amava. Vivia cercado delas. Lambari era pipeiro. Chegava a vender vinte mil pipas no verão e para isso se preparava o ano inteiro. Era entrar na Paituna e dar de cara com Lamba fazendo rabiolas com fitas antigas de vídeo cassete. As árvores e fios do local brilham ao sol com suas tirinhas pretas e reluzentes. É bonito de se ver!

Ao me mudar para a casa em frente à lojinha de pipas, a LAMBARI PIPAS, passei a conhecê-lo melhor. Logo no primeiro dia, perguntei a ele como fazer para comprar gás e um minuto depois, após uns assobios e alguns gestos, lá estava o gás na minha porta. Carteiros, marcadores de luz e água da minha casa, era com ele que se entendiam. Era o guardião da minha casa e da rua. Só que Lamba era um guardião manso, pacato. Era um anjo guardião.

Viajei em janeiro e ao retornar, ele me disse ter tido um AVC. Ainda estava com a boca um pouco torta, mas logo voltou ao normal. A cervejinha que tomava durante os jogos do seu querido Flamengo, não tomava mais, mas não abandonou o hábito de comer carne gordurosa. É que ele sabia que sua vida estava por um fio e não quis abandonar esse prazer, talvez o único que tinha na vida. Temia pela sua vida e pedia a DEUS que quando ele partisse, eu não estivesse presente, mas não foi assim que aconteceu.

Na madrugada de sexta-feira, ele se foi, deixando órfã a rua toda. Órfã e surpresa porque logo se soube que ele não tinha nenhum documento. Ele não precisava disso, mas a sociedade cobrou ferozmente essa inocência, deixando-o insepulto por três dias, não aceitando os documentos que conseguiram seus parentes e com a ajuda de um vereador foi enterrado ontem, tristemente, num buraco elameado, como indigente.

Enquanto andava nas aléias daquele cemitério, acompanhando o pobre cortejo, soube que Lamba dormia chupando chupetinha (ele tirava o arco de plástico para que ninguém notasse), cheirando um paninho e que era, aos trinta e oito anos, virgem, sexualmente virgem. Lamba era uma criança inocente. Perdemos um anjo.

DEUS mandou buscar Seu anjo.

Seja feliz, anjinho Lambari!"

Mãe, um grande beijo! Te amo!

Para o homem lindo que se foi, dedico um dos lamentos mais profundos em língua portuguesa. Lamba, cansado dessa vida de nada tratou de ser pipa no céu... Afinal, existirmos a que será que se destina?


segunda-feira, 24 de maio de 2010

Bora rir um pouquinho?

Gente, continuando o papo do cabelo... Recebi da fofa da Ilca, que conheci virtualmente, um vídeo muito interessante que tem tudo a ver com o post anterior e com outros que virão. Na verdade, é uma seqüência de vídeos produzidos pela Cia de Teatro "Os crespos". Vale procurar no youtube os outros vídeos!

terça-feira, 18 de maio de 2010

CABELO BOM?




Inicio este post com a imagem em artesanato de uma mulher negra cujo cabelo é composto por esponja de aço. Vendo a peça não há como não lembrar da saída da escola, quando meninos felizes do Colégio Zaccaria infernizavam a mim e a minha irmã chamando-nos de cabelo bom-bril. Não há como esquecer da cena que passei há poucos meses atrás: eu descendo do 17o. andar do prédio onde morava juntamente com uma vizinha muito simpática. Ela elogiou meu cabelo, dizendo: "Nossa, seu cabelo é tão lindo! Parece o da Helena de "Viver a Vida". Eu confusamente agradeci me perguntando onde ela viu nos meus micro-cachinhos as madeixas encaroladas usadas por Thaís Araújo.

A imagem em artesanato é bem significativa porque não representa uma mulher negra qualquer, como seu vestido nos mostra, mas uma preta genuinamente brasileira. A marca do cabelo ruim tem andado viva na memória de grande parte das mulheres brasileiras, como bem nos mostra essa peça de artesanato e o comentário abaixo, disponível na net, neste endereço aqui, onde se pode encontrar o texto intitulado Cabelo Ruim.

Alguém aqui acha justo nascer com o cabelo de buxa? E não é de bruxa não, é de buxa mesmo! Isso é a coisa mais injusta que pode acontecer com uma pessoa. Porque imagina comigo, você só nasce uma vez na vida e ainda tem que nascer com um cabelo de bombril é demais!
É claro que você não pode colocar a culpa toda na sua mãe porque ela não te fez sozinha, então divide a culpa com o teu pai também! O pior é quando seu irmãozinho querido nasce com o cabelo mais perfeito do mundo e o seu é totalmente o contrario, dá vontade de matar ele né? Só ele não, a familia toda, você culpa até Deus por ter feito você nascer nessa família de cabelos ruins.Mas para a sua sorte Deus é pai e não padrasto! Ele fez o homem inventar os produtos químicos, melhor que isso só nascer com o cabelo lindo. Então agora você pode ser feliz e deixar seu cabelo perfeito, né mágico? Escrevi isso aqui porque fiquei com pena das mulheres de antigamente, as coitadinhas deveriam sofrer muito..
Não, eu não tenho cabelo ruim.


Cabelo não-liso tem sido tabu na sociedade brasileira. Mesmo em tempos de uma dita valorização de culturas afros, o cabelo carapinha é relegado ao silêncio ou visto como monstruoso. No máximo, fala-se de estratégias para escondê-lo, amansá-lo ou, vez por outra, cabelos étnicos são expostos para mostrar quão exóticos são. Por isso, mesmo aquela receita do cabelo "ajeitadinho" não é papo para se ter alto em mesa de bar, principalemente se tiver homem por perto.

Homens negros participam do mesmo processo avassalador quando o assunto é cabelo, mas possuem mais alternativas para se safar, quase sempre escamoteando as contradições que sentem com relação aos seus próprios fios. Dessa forma, eles jogam para debaixo do tapete assunto tão doloroso para tantas brasileiras e brasileiros. Com as mulheres, o buraco é mais embaixo. Rígidos padrões de beleza e uma indústria cosmética que só se volta para o alisamento dos fios não-lisos induzem a um aprendizado pouquíssimo saudável para as meninas negras.

Há muitas gerações nós temos cuidado de nosso cabelo na intimidade do nosso quarto, banheiro ou ao pé do fogão da cozinha, esperando o ferro esquentar, trocando com as mulheres mais próximas da família maneiras de "amansar a fera" e de praguejar contra mais uma triste herança africana. Esse aprendizado é duplamente doloroso, mesmo sem nos darmos conta dele. Por um lado, não há couro cabeludo ou fio que resista às diferentes técnicas de alisamento , já que todas sem exceção causam dor física; por outro, aprendemos a esquecer uma parte importantíssima do nosso corpo, tomada como feia, indomável, sem jeito, com várias marcas de não, pronta para ser esquecida.

Esse esquecimento, como todo esquecimento histórico, é íntimo e comunitário, individual e coletivo. Ninguém quer lembrar o cabelo carapinha que possui. Lembro de algumas cantoras, como Alcione ou Elza Soares, que permearam minha infância com diferentes cabelos em capas de discos, ou mais recentemente Paula Lima, cujos fios o público nunca soube como são. Mesmo que usem cabelos artificiais mais próximos da aparência dos nossos cabelos nunca pudemos contemplar seus fios reais. Interessante que me refiro a mulheres vaidosíssimas, como pode ser visto nas produções esmeradas das três, com direito a unha postiça (Alcione), plásticas mil (Elza) ou requintadas roupas conjugadas a uma linda cabeleira artificial (Paula).

Vou logo dizendo que não distingo as mulheres que amo ou admiro pelo tipo de cabelo que usam. Tenho amigas e familiares queridas com os mais diferentes tipos de cabelo. Só insito que na relação com nossos cachos temos sido intimamente impelidas ao desamor, à raiva, à vergonha. Eu estou aqui hoje escrevendo, no entanto, para expor um pouco o contrário de toda essa história, para contar uma história de amor.

É isso, a relação que tenho há quatro anos com o meu cabelo é de puro amor. A nossa relação amorosa foi conquistada depois de muitos anos de suspensão, das mais diferentes formas. Em fins de 2006, decidi deixar de lado as pesadas fibras de cabelo artificial que usava para compor as minhas tranças. Estava decididamente cansada de tantas agressões ao meu couro cabeludo e aos fios do meu cabelo. Foi umas das medidas mais saudáveis que já tomei na vida.

Hoje, toda vez que me olho no espelho sinto mais do que contentamento ao ver os meus múltiplos micro-cachinhos 3-D. É isso mesmo, nossos canhinhos assim todos juntos têm as três dimensões da tão falada imagem 3-D - altura, largura e profundidade. Abusar da profundidade nos nossos penteados, dando formato mais arredondado, reto, cheio ou rente ao couro cabeludo é uma brincadeira muito saudável que, no mínimo, nos leva a descobrir múltiplas dimensões do nosso próprio rosto. No máximo, nos leva a descobrir recantos há muito escondidos em nossa alma. Esta aí embaixo sou eu e meus amados cachinhos:


Posso ficar até amanhã de manhã escrevendo sobre a gente aqui, digo sobre mim e o meu cabelo - quase nem sei mais se somos um só ou se nos dividimos em dois (às vezes ele sou eu, às vezes ele é um ente que me catalisa). Prefiro, no entanto, começar a apresentar um pouco um documentário que é também uma linda história de amor. Refiro-me ao documentário "Good Hair" dirigido e conduzido pelo ator, humorista, produtor, roteirista, limpador de pára-brisas, ajudante de cozinha ou o que quer que você queira... Chris Rock.

O filme inicia com uma seqüência de imagens de cabelos de negras em filmes antigos de Hollywood e recentes desfiles em disputas entre cabeleleiros que alongam os cabelos das pretas daqui, mas a história de amor começa na fala de abertura do próprio Chris, que é mais ou menos assim: "Minhas duas filhas, Lola e Zora. As mais lindas meninas do mundo. Mesmo eu dizendo todo santo dia que elas são lindas não é o bastante. Ontem mesmo Lola chegou em casa chorando e disse: "papai, como eu faço pra ter cabelo bom?"

Essa é a pergunta clássica que muitas de nós fizemos quando crianças e que nossas filhas, sobrinhas, vizinhas ainda hoje continuam a fazer, lamentando por não possuirem cabelos lisos. Eu me pergunto que padrões são esses que embotam os pensamentos de todas, como bem pudemos ver no comentário feito acima pela caucasiana, mas que principalmente massacra a a auto-confiança de lindas meninas que vemos balançando suas tranças ou seus cachos por aí. Chris, literalmente, fez o documentário como uma espécie de legado amoroso e reflexivo para suas filhas, meninas ultra sortudas, não só pela grana que a família possui, mas principalmente por terem um pai que vira meio mundo para tentar compreender por que não ter cabelo liso angustia tanto suas filhas.

Nessa tentativa de descobrir toda a indústria cosmética que está por trás da busca ansiosa e desesperada pelo cabelo bom, Chris vai a diferentes cidades norte-americanas, entrevista mulheres, conversa com homens, busca entender o comércio de cabelos naturais e de peruca, viaja para Índia. A cruzada de Chris vai desvelando diferentes níveis da questão: o econômico, o social, o racial, o emocional, o psicológico. Enfim, muitas cenas do filme dão insights para pensamentos mil desssa parte do corpo feminimo que tem nos sido tirada, arrancada sem muita explicação.

No fechamento do filme, Chris retoma o laço com as duas meninas e tenta responder o que está para além do conceito cabelo bom: "na tentativa de entender as questões que envolvem o cabelo afro, eu rodei o mundo inteiro... então o que eu vou dizer as minhas filhas? Eu vou dizer que o que está no topo da cabeça delas não é nem de perto mais importante do que o que está dentro."

Eu diria um pouco mais do que ele disse. Diria da importância de tocar o próprio cabelo, da importância de amar cada fio, mesmo com olhares de reprovação. Eu diria que não é preciso alisar o cabelo para dar a ele diferentes looks. Eu diria para elas jamais aceitarem parceiro(a)s que tenham medo de tocar nos seus fios, porque não há carinho mais prazeroso que o cafuné. Sobretudo eu demonstraria, através da minha relação de amor com os meus fios, o quanto é libertador e alegre conhecer as texturas próprias do nosso cabelo e as versatilidades específicas de um cabelo que jamais terá o corte ou o caimento do cabelo escorrido. Pouco importa! O ganho de conhecer intimamente uma parte sonegada de nós é o atrevimento mais saudável que pode nos acontecer.

Sobre esse filme, ainda tenho muito a dizer. Quero falar do depoimento das mulheres (atrizes, intelectuais, cabelereiras, entre outras), das batalhas entre cabeleireiros que acontecem aqui nos EUA, sobre a ida Chris a Índia, sobre os pensamentos que tive vendo o filme, mas, decididamente, neste post não vai dar. Ele já está enorme o suficiente. Fica para o próximo.

Para que vocês sintam o gostinho da maravilhosa aventura de Chris Rock, fiquem com a engraçada e melancólica cena dele tentando vender cabelo afro em lojas que vendem cabelos para implantes, entrelace ou o que quer que seja.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

Meu Deus, Ave Maria!


Hoje no banho me lembrei de antes, muito antes
Me lembrei das delícias num puff de uma sala sem nada
Me lembrei do meu coração na espreita até que eles chegassem

Antes dele… foram muitos
Tudo muito divertido
Me lembrei das danças na sala
Do amor na cozinha, porque tinha gente no quarto
Lembrei do puff macio que afundava

Antes dele eu ri demais
E vivi a luxúria de ter o homem mais bonito do mundo
Me visitando todo dia
“Meu Deus, Ave Maria! Se ele não é um dos seus, ninguém mais seria…”

Antes dele,
Me diverti com amores secretos, com amores artistas, com amores sérios trabalhadores, com justiceiros professores, radicais revolucionários
Brasileiros, estrangeiros…
Foi tanta farta conversa de línguas e corpos,
Amores bonitos de pegar, todos eles.

Quem antes dele?
Cabeleira farta, dreadlocks compridíssimos, cabeça raspada
Malhadão, magrinho que eu tinha medo de amassar, barriguinha saliente,
Vaidoso demais, desleixado, bonito de qualquer jeito…

Nós brincávamos de dia e de noite.
Nomeávamos nossos corpos com nomes engraçados
Ríamos das nossas imperfeições

Antes dele, a sala cheia de velas.
Comida preparada por um que eu queria pra mim vida a fora
E vinho… muito vinho

Antes dele… café com leite docinho e pão na chapa
Na padaria da Santo Amaro
Antes dele… passeio no Leme
Calçadão de Copacabana
Amassos nos mergulhos das águas salgadas por aí
Porre no Posto Nove, briga no Posto Nove, pazes no Posto Nove

Antes dele, amor na sacada de um hotel
Pra matar a saudade de mais um reencontro
Depois de muitos, muitos Mojitos da Casa da Mãe Joana

Meu banho hoje foi demorado, divertido…
Levemente lembrei do antes, bem antes
Várias vezes entreabriu-se o sorriso com aquelas memórias safadas de lembrar
Meu banho hoje, sei não...
Senti meu corpo se preparando
Aqui, a primavera está a toda! É flor por todos os quintais do “ghetto” onde moro.
Verão chegando! Com ele a luminosidade de uma vida na rua, sorrisos, saias curtas, música, dança ao ar-livre e muita, muita azaração!
Não é possível que eu não volte a rir com os amores que virão.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Menina manhosa, menina medrosa


Não é que me assusto com tudo! Tenho medo de barata, de escuro, de gente me olhando, de gente que não me olha no olho. Tenho medo de falar (principalmente inglês), tenho medo de ficar calada. Tenho medo de ir e também de ficar parada. Tenho medo de homem bonito, tenho medo de homem inteligente. Tenho medo de me apaixonar, tenho medo de me desapaixonar de uma paixão já gasta. Quero a barra da saia da minha mãe pra me esconder!

Tanto medo assim, fez uma amiga, numa madrugada insone, lembrar que eu, na certa, precisaria de umas palmadas como a menina manhosa de Cecília. Dispenso as palmadas e fico com o lindo poema brincalhão de Meireles! Através dele, retomo uma infância indecisa no "Ou Isto ou Aquilo", que já prenunciava as complicadas escolhas por vir de uma menininha manhosa e assustadinha.

Uma palmada bem dada

É a menina manhosa
que não gosta da rosa,
que não quer a borboleta
porque é amarela e preta,
que não quer maçã nem pêra
porque tem gosto de cera,
que não toma leite,
porque lhe parece azeite,
que mingau não toma,
porque é mesmo goma,
que não almoça nem janta
porque cansa a garganta,
que tem medo do gato,
e também do rato,
e também do cão
e também do ladrão,
que não calça meia
porque dentro tem areia,
que não toma banho frio
porque sente arrepio,
que não toma banho quente
porque calor sente,
que a unha não corta,
porque sempre fica torta,
que não escova os dentes,
porque ficam dormentes,
que não quer dormir cedo,
porque sente imenso medo;
que também tarde não dorme,
porque sente um medo enorme,
que não quer festa nem beijo
nem doce nem queijo...
Ó menina levada,
Quer uma palmada?
Uma palmada bem dada
Para quem não quer nada!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Um nega MACnada, eu?


Contar sobre a minha nova aquisiçao pode ser um bom momento de falar, para os que ainda nao sabem, que ha quase dois meses estou nos EUA, a terra amada e odiada por tantos brasileiros diferentes. Passo alguns meses estudando e conhecendo um pouco melhor essa estranha cultura. Aproveito tambem para mandar noticias a amigos e familiares que querem saber um pouco o que tenho passado aqui. O texto ficou enoooooormeeee, mas os detalhes sao essenciais, voces vao entender. Quem tiver tempo e folego para ler ate o final, aventure-se!

Estrangeira que sou, sinto-me confortavel em nao ser daqui. Pra mim, ser estrangeira e, de alguma forma, olhar tudo com olhos de novo. Isso nao deixa de ser, apesar dos perrengues cotidianos, um certo privilegio. Nao estar numa posicao confortavel com a lingua me coloca ainda mais na esquina disso tudo aqui. Olhar de esguelha, no canto da rua e uma paranoia delirante que definitivamente me atrai.

Interessante que aqui estou vivenciando o que so sabia teoricamente: por que tantas teorias linguisticas importantes sao norte-americanas, sobretudo as relacionadas a variaçao linguistica. Para o americano mesmo, qualquer “ accent” e motivo de discriminaçao, digo separaçao em diferentes grupos mesmo. Cada um na sua e todo mundo vai vivendo seu mundinho limitado. Mais ou menos assim. Nem falo pelo meu ingles tatibitati, mas vejo alguns amigos com um certo sofrimento por ficarem relegados ao mundo dos estrangeiros na vida cotidiana, porque nao falam o ingles norte-americano. Mas qual e esse ingles? Ainda nao sei. Vejo tantos nos diferentes lugares onde vou. Agora, que ha um Standard English, dos que foram “bem” criados aqui, isso e fato.

A minha nova aquisiçao tem inclusive tudo a ver com esse “American way”. Comprei um computador americano demais. Inclusive a falta de acentos nesse texto, tem a ver com um sistema que nao da a minima para as outras linguas que existem no mundo. O teclado e igual a qualquer outro, mas saber como usar um mero acento agudo ou um til e tarefa so para Mr Mac, meu amigo cujo nome prefiro preservar, mas que muito antes da tragedia que me aconteceu ha duas semanas atras, ja mandava eu trocar minha lata velha por um computador mais estavel, e mole?

O cedilha eu aprendi depois de algumas tentativas, mesmo assim ele vem acompanhado de uma letra estranha que eu preciso deletar sempre. Vou mostrar pra voces: quando escrevo “caçador”, aperto simultaneamente tres teclas, mas quando aperto, a palavra vem acompanhada de um caractere estranho que eu preciso apagar para palavra fazer sentido pra gente. Deem uma olhada: “caçædor”. Digam se e possivel eu deixar esse estranho “a” com “e” assim bem juntinho? Se alguem souber o nome desse caractere, pode me dizer, porque nao faço a minima ideia.

Entao, ha duas semanas estava eu feliz trocando informaçoes familiares confidenciais com minha irmazinha Adri, quando deu um apagao no meu computador. Confesso que isso ja tinha acontecido antes, mas sempre conseguia religa-lo. Dessa vez nao. Apagou geral. Pensei: po, dessa vez o virus me pegou mesmo.

Levei meu amado HP pretinho comprado ha exatos 2 anos atras aqui nesta mesma terra a uma pequena loja perto da minha casa que sempre via quando ia para o ponto de onibus. Tinha uma placa na porta, “Yes, We are open”, mas estava tudo fechado. Conversei com a dona da loja ao lado, que acabou ligando para Juan e falando num espanhol bem afetivo que tinha uma linda brasileira (palavras dela, gente!rs) com um computador quebrado. Juan falou comigo e disse que so ia abrir a loja as duas horas da tarde. Como tinha que ir a universidade, marquei com ele no final da noite.

As 20:30 em ponto, estava eu de volta a loja de Juan. Como so vi desktops, perguntei: “voce conserta laptop?” Ele, respondeu bem alto com uma certa impaciencia: “OF COURSE!” “Entao, Sr. Juan, meu computador apagou. Acho que e virus, porque isso tem acontecido desde que comecei a usar a rede aberta da universidade.” Ele começou a desmontar o computador todo, passar um aspirador dentro, trocar peças. E eu quase pegando de volta meu pretinho, com medo de nunca mais ve-lo como ele sempre foi. Mas como sempre diz uma grande amiga: nao adianta ter medo, nao adianta ter medo, o que tem que ser e.


Tai o pretinho que morreu!


Sr. Juan, depois de muito testar, disse que o problema nao era virus nada, mas a minha “mother board” que tinha pifado. Me pediu dois dias pra confirmar e me dizer o valor do conserto. Achei justo, mas fiquei meio chocada pelo problema ser tao serio. Gente, achava meu computador novo. Dois anos de uso so. Sai da loja assim tao tristinha, que liguei para Mr. Mac pra ver se ele me dava uma força, depois de eu ter perdido de maneira tao tragica meu pretinho basico. Mr. Mac, ironico como sempre: “eu falei, nega, eu falei... Seu computador tava na capinha.” O que me restava entao? Ir pra cama chorar baixinho.

Exatos dois dias depois, Juan liga dando o diagnostico completo: precisaria mesmo trocar a placa mae e o conserto ficaria em 275 dolares. So que ele ia demorar 8 dias pra me devolver o computador. Fiquei literalmente louca, pedi pressa. Ele disse que ia se esforçar, que assim que tivesse com a peça na mao me telefonaria. Dois dias depois ele ligou mesmo, com voz de preocupaçao, pedindo que eu fosse urgentemente a loja.

Chegando la, o cenario estava armado. Sr. Juan, coitado, nao sabia o que e lidar com uma mulher brasileira, diriamos assim, nervosinha. Em cima do balcao estava o meu computador e uma placa mae enrolada num plastico aberto em cima dele. Sr. Juan: “aqui esta a mother board que eu pedi. Eles enviaram errado, ta vendo? E da marca Intel e a sua e AMD.” “E agora Sr. Juan? A troca vai demorar muito?” “Infelizmente, a placa AMD esta em falta. Nao tem previsao, mas eu posso resolver o seu problema: tenho aqui computadores muito melhores que o seu. Voce escolhe, compra um e eu passo todos os seus dados para o computador novo. Venha ver.” Vi, a principio fiquei ate interessada em um deles. Mas foi quando percebi o trambique. Sr Juan falou feliz: “ele custa 400 dolares.” “ Nao Sr. Juan, nao. O senhor nao esta entendendo a minha situaçao. Vou levar o meu computador entao.” Ao abrir meu computador, tudo piorou muito, porque ele estava todo arranhado, com os selos arrancados. Nossa, me desesperei e pela primeira vez dei uma bronca em alguem com meu ingles tatibitati mesmo. Exigi a devoluçao sem os arranhoes, porque nao entreguei o computador assim. Sr. Juan exaltado, misturando ingles com castelhano, a dizer que os arranhoes eram normais, porque ele precisou abrir o computador. E eu gritando: “mas pra abrir um computador nao e preciso arranhar desse jeito e tirar os selos. So lembro que dizia: “I am studying here. I am not kidding” E Juan rebatia: “And am I kidding?” “I don't know, Mr. Juan, I don't know.”

Depois de alguma discussao, ele falou pra eu sentar e esperar que ele ia me entregar o computador sem nenhum arranhao. Deve ter trocado a carcaça do meu pretinho por outras acumuladas naquela "tiendita", sei la. So sei que voltei pra casa abracada a ele, assim protegendo-o do mal ja feito.

No dia seguinte, levei-o no “computer care service” da universidade. La o rapaz foi dizendo bem tranquilamente, sem o tom exaltado do crapula do Sr. Juan: “o seu computador morreu. Isso e muito comum de acontecer com esta linha. Nao vale a pena consertar porque o conserto vai ser caro e ele vai ter uma vida curta. Mas voce comprando outro, eu coloco seus arquivos num novo “hard disk” e voce tera acesso a todos eles.” Na hora lembrei do meu limite do cartao de credito e fui logo perguntando: “se for um MacBook, tambem ficarao disponiveis?” “Sim, sim.” Bingo, a profecia de Mr. Mac estava se realizando.

Fui pesquisar o que eram os MacBooks, porque, na verdade, nunca soube direito a diferenca entre um e outro. Nem nunca soube quantos modelos ao certo existiam. Enfim, sempre achei lindo aquele computador com uma maça assim bem no meio, mas nunca levei muito a serio essa superioridade toda dele nao. A linha de laptops e bem pequena, nao falo dos novissimos Ipads, porque nem faco ideia do que seja aquela inovaçao toda. E tambem gosto de teclas. Aquela tela inteira que faz tudo me da assim uma especie de afliçao. So ha, na verdade, 3 modelos de laptops: o MacBook (o mais barato da linha, mas nao se iludam, e caro) o MacBook air (o computador mais fino do mundo, pra que isso, gente, pra que?) e o MacBookPro (em tres versoes de tela, a menorzinha delas, de 13” e 200 dolares mais cara que o MacBook e, segundo Mr. Mac e todos os vendedores com quem conversei, e infinitamente melhor). Inclusive, Mr. Mac, nao sei se se sentindo meio culpado ainda disse: “nega, para o seu uso, o MacBook serve. Nao precisa ser o Pro.” Nao, Mr Mac, nao, nao. Se e pra ter esse treco que seja o Pro do mais baratinho. O que e uma... pra quem ja esta... ne nao? O cartao de credito ta ai pra ter sua fatura dividida mesmo!

Mas minha saga nao tinha acabado nao. Esta semana mesmo lançaram um Pro de 13'' novo, com 2GB a mais de memoria, pelo mesmo valor do antigo. Resolvi comprar, mas para isso teria que esperar uma semana mais ou comprar pela internet, segundo o vendedor da Macstore. Achei esquisita aquela historia de esperar uma semana ja que ali era uma loja oficial da MAC. De qualquer forma, estava decidida a esperar, porque comprar pela internet aqui com cartao de credito brasileiro tem sido uma dor de cabeça, ja que o endereço da fatura e diferente do endereço onde estou morando. O mundo e todo informatizado, mas nenhuma loja virtual se da conta de que a gente nao precisa mais da conta em papel para pagar fatura nenhuma.

Enfim, o fato e que pra esperar eu resolvi aprender um pouco mais sobre esse estranho mundo que estava prestes a entrar, seguindo mais uma vez os conselhos do profeta Mr. Mac: “nega, e melhor voce comprar um livrinho pra aprender a mexer no seu Mac – chama-se Mac for Dummies” (algo como, Mac para idiotas). Que tal? Tudo bem, Mr. Mac, tudo bem... Na livraria vi que ha infinitas formas de ser dummy ao usar um Mac. Resolvi, na medida do meu bolso e necessidade, comprar o Switching to a Mac for Dummies (Mudando para um Mac para idiotas).


Logo no primeiro capitulo o autor desfaz alguns mitos relacionados aos misterios dessa marca para o usuario que esta migrando de um PC para um MAC e conta um pouco da historia da empresa. Comecei a gostar e a entender a grande disputa entre Microsoft e Macintosh. Para alem da questao do lucro, em determinado momento, a historia de ambas as empresas se entrelaçam e foi a partir de um contrato com a Macintosh que Mr. Bill Gates estourou as vendas do Windows 3.0 na decada de 80. Ele usou uma versao simplificada de uma interface grafica que a Microsoft havia criado para a Macintosh. O contrato dizia que a Microsoft estava autorizada a vender a tal interface simplificada. Steve Jobs, a cabeça pensante da Mac nao gostou nem um pouco da jogada de Gates. Ambas as empresas foram parar nos tribunais, mas Gates levou a melhor, porque, segundo o juiz, ele nao descumpriu as clausulas do contrato.

No meio dessa guerrilha de milhoes e milhoes de dolares nos, meros usuarios tupiniquins, ficamos entre um milionario e outro. Antes, eu era uma PCer, agora sou uma MacBooker. O que isso signfica? So o tempo dira...

Ah, ja ia esquecendo de contar o desfecho disso tudo: empolgada com o livrinho, querendo ter logo em maos minha maravilhosa aquisiçao, liguei dois dias depois para a MacStore aqui do Providence Place Mall, perguntando se ja havia chegado o novo modelo do MacBookPro 13”. Sim, havia chegado. Fui na hora la e sai feliz da loja com meu Pro novissimo da Silva. E um Pro abrasileirado, que Steve Jobs nao me ouça. Alias, tomara que ele ouça sim e desenvolva logo uma forma mais tranquila de usar os acentos nisso aqui. O tal Pro acabou sendo o presente de aniversario que me dei a ser pago em modicas prestaçoes. Pra quem nao sabe, faço aniversario sabado que vem, dia 24.

E, gente, devo ter sido mesmo contaminada pelo virus MAC nessa terra aqui. Porque abri meu Pro super ansiosa. Vibrei com a animaçao inicial, com a inscriçao no mundo Mac. Para a fotinho inicial usei batom novo e tudo. Tentei resgata-la para colocar aqui pra voces, mas nao consegui nao.

No fim de tudo Mr. Mac, espirituoso que so ele, ainda escreveu numa rede de relacionamentos: Fabiana Lima, uma nega MACnada. Gostei da frase e do neologismo criado por ele, porque a palavra tem esse nada no final, que acaba por desfazer toda essa empolgaçao por uma mera maquina. Nao, mae, nao, pai, eu nao enlouqueci de vez. Nao ha MacBookPro que substitua uma cheiro no cangote, um pe entrelaçado no outro, um cafune... E disso, eu tenho certeza, ate Mr. Mac sabe. Ah, sabe!

Vejam meu Pro com sua case de macaquinhos coloridos para alegrar meus ultimos dias tao cinzentos!

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Corpo escrito, meu NOME PRÓPRIO


Interessante como a imagem de um corpo (quase sempre feminino) que se abre em livro, deixando-se ler quando quer, há muito me fascina. Inclusive aqui mesmo, por duas ou três vezes sonhei ser livro assim toda tatuada de letras das mais diferentes origens.

Lembro que lá pelos 16 anos, Caetonólotra deslumbrada, era fascinada pela música Elegia do maravilhoso álbum Cinema Transcedental, na verdade uma tradução adaptada do poema Elegia XIX: indo para a cama, de John Donne, feita por Augusto de Campos e Péricles Cavalcanti. A voz suave de Caetano cantando "Como encadernação vistosa/ feita para iletrados a mulher se enfeita/mas ela é um livro místico e somente a alguns a que tal graça se consente é dado lê-la", terminando com a afirmação no mínimo prepotente "Eu sou um que sabe", despertava em mim não sei que arqueológicas memórias abertas em papiro para a palavra manuscrita. (Quem quiser relembrar essa música, pode escutá-la AQUI)

Escrever não deixa de ser isso, colocar a mão nas coisas. Tocar. E os textos se nos dão escritos pela palma afobada de nossas mãos, ou melhor, em tempos de profusão de teclas e @s, pela ponta ansiosa de nossos dedos.

Talvez seja esse o meu prazer mais profundo na relação com a escrita. Poder tocar nas coisas e em cantos de mim que nem sei, mas que se dispõem letrados, muitas vezes, para minha surpresa. Esssa, diríamos, disposição para a letra é ainda bem comum a muitos de nós. Alguns amigos e conhecidos partilham da certeza de que escrever nos salva, até mesmo quando nos leva à perdição.

Foi por isso que gostei quando um queridíssimo casal de amigos me entregou nas mãos o DVD do filme NOME PRÓPRIO (2006), protagonizado pela jovem competentíssima Leandra Leal, dizendo: "Fá, você tem que ver. O filme é você todinha!" Fiquei intrigada. O que um filme moderninho tinha a ver com uma mulher tão fora deste tempo como eu? O que uma personagem que permanece nua grande parte do filme tem a ver com uma mulher que anda tão vestidinha como eu, apesar dos decotes que uso de vez em quando pra me alegrar. O filme fala, em linhas gerais, de uma vida escrita. O cotidiano de Camila conturbado, individualista e em risco de perder os limites é desenhado a partir dos sentidos que a escrita lhe dá. Por isso a personagem blogueira, em um de seus primeiros textos, dá dicas dessa vida que se escoa em letras: "Declaração: Meu blog nao é um diário. Aqui escrevo e ponto. Escrevo porque preciso. Melhor, vivo porque escrevo."

A partir dessa cena, comecei a gostar do filme. E a personagem Camila vai num crescendo se escrevendo em seu primeiro livro. Esse processo se dá em meio a muitos dramas amorosos regados a cerveja, vodka, whisky e muitos remedinhos tarja preta.

O que mais gostei no filme? O barulho das teclas do computador, desatinadas a dar forma aos pensamentos de Camila. A maravilhosa cena, mais já no final do filme em que não basta mais escrever na tela do computador, então a escrita se escoa por milhares de papéis, pelas paredes da sala, pelo chão... A nudez de Camila totalmente em harmonia com um corpo que se dispõe à escrita. Um corpo que foge desses padronizados que vemos aos montes por aí, encenando-se num CORPO ESCRITO. O que menos gostei? O excesso de remedinhos de tarja preta conjugados com bebida. Sou careta mesmo, mas aqui não tem moralismo. Só achei que reproduz uma imagem romântica demais do escritor desesperado, aquele que precisa estar fora do seu estado normal para produzir coisas geniais. Isso me cansa um pouco, porque cá entre nós, nem acredito muito em gênios.

Enfim, o filme é bem legal. Pra quem gosta de escrever, se vê em muitas escritas por aí e ainda se empenha em ser livro, o filme pode ser um bom momento de reflexão e até identificação. Vale a pena assistir. Aqui é possível conferir algumas cenas misturadas do filme, em dois videos onde são selecionadas algumas faces bem características da personagem Camila.




sábado, 20 de março de 2010

Voltando a ver tudo OGUM de novo


E quando você volta a se deslumbrar com o mais simples dos termos, com o mais negro dos símbolos...

AGADÁ DE OGUM é, como diz a voz de Abdias, o Agadá da Transformação