quinta-feira, 1 de abril de 2010

Corpo escrito, meu NOME PRÓPRIO


Interessante como a imagem de um corpo (quase sempre feminino) que se abre em livro, deixando-se ler quando quer, há muito me fascina. Inclusive aqui mesmo, por duas ou três vezes sonhei ser livro assim toda tatuada de letras das mais diferentes origens.

Lembro que lá pelos 16 anos, Caetonólotra deslumbrada, era fascinada pela música Elegia do maravilhoso álbum Cinema Transcedental, na verdade uma tradução adaptada do poema Elegia XIX: indo para a cama, de John Donne, feita por Augusto de Campos e Péricles Cavalcanti. A voz suave de Caetano cantando "Como encadernação vistosa/ feita para iletrados a mulher se enfeita/mas ela é um livro místico e somente a alguns a que tal graça se consente é dado lê-la", terminando com a afirmação no mínimo prepotente "Eu sou um que sabe", despertava em mim não sei que arqueológicas memórias abertas em papiro para a palavra manuscrita. (Quem quiser relembrar essa música, pode escutá-la AQUI)

Escrever não deixa de ser isso, colocar a mão nas coisas. Tocar. E os textos se nos dão escritos pela palma afobada de nossas mãos, ou melhor, em tempos de profusão de teclas e @s, pela ponta ansiosa de nossos dedos.

Talvez seja esse o meu prazer mais profundo na relação com a escrita. Poder tocar nas coisas e em cantos de mim que nem sei, mas que se dispõem letrados, muitas vezes, para minha surpresa. Esssa, diríamos, disposição para a letra é ainda bem comum a muitos de nós. Alguns amigos e conhecidos partilham da certeza de que escrever nos salva, até mesmo quando nos leva à perdição.

Foi por isso que gostei quando um queridíssimo casal de amigos me entregou nas mãos o DVD do filme NOME PRÓPRIO (2006), protagonizado pela jovem competentíssima Leandra Leal, dizendo: "Fá, você tem que ver. O filme é você todinha!" Fiquei intrigada. O que um filme moderninho tinha a ver com uma mulher tão fora deste tempo como eu? O que uma personagem que permanece nua grande parte do filme tem a ver com uma mulher que anda tão vestidinha como eu, apesar dos decotes que uso de vez em quando pra me alegrar. O filme fala, em linhas gerais, de uma vida escrita. O cotidiano de Camila conturbado, individualista e em risco de perder os limites é desenhado a partir dos sentidos que a escrita lhe dá. Por isso a personagem blogueira, em um de seus primeiros textos, dá dicas dessa vida que se escoa em letras: "Declaração: Meu blog nao é um diário. Aqui escrevo e ponto. Escrevo porque preciso. Melhor, vivo porque escrevo."

A partir dessa cena, comecei a gostar do filme. E a personagem Camila vai num crescendo se escrevendo em seu primeiro livro. Esse processo se dá em meio a muitos dramas amorosos regados a cerveja, vodka, whisky e muitos remedinhos tarja preta.

O que mais gostei no filme? O barulho das teclas do computador, desatinadas a dar forma aos pensamentos de Camila. A maravilhosa cena, mais já no final do filme em que não basta mais escrever na tela do computador, então a escrita se escoa por milhares de papéis, pelas paredes da sala, pelo chão... A nudez de Camila totalmente em harmonia com um corpo que se dispõe à escrita. Um corpo que foge desses padronizados que vemos aos montes por aí, encenando-se num CORPO ESCRITO. O que menos gostei? O excesso de remedinhos de tarja preta conjugados com bebida. Sou careta mesmo, mas aqui não tem moralismo. Só achei que reproduz uma imagem romântica demais do escritor desesperado, aquele que precisa estar fora do seu estado normal para produzir coisas geniais. Isso me cansa um pouco, porque cá entre nós, nem acredito muito em gênios.

Enfim, o filme é bem legal. Pra quem gosta de escrever, se vê em muitas escritas por aí e ainda se empenha em ser livro, o filme pode ser um bom momento de reflexão e até identificação. Vale a pena assistir. Aqui é possível conferir algumas cenas misturadas do filme, em dois videos onde são selecionadas algumas faces bem características da personagem Camila.




11 comentários:

Cintok disse...

Que Saudade!!
Só compreendi o tamanho dela no momento em que li esse texto, como é bom voltar a me deliciar com os seus textos Professora!!
O melhor, foi retornar e me identificar com tudo que foi escrito, principalmente com o fato de escrever me levar a lugares escondidos dentro do meu EU mais oculto!!
Tanta Coisa pra te mostrar Fabi, coisas que tenho pensado e colocado no papel, no computador e que desejo tanto a sua opinião!!
Se poder passa lá no meu blog tem um texto em especial "Noite Calada" que gostaria muito que você olhasse!!

Enormes Saudades, esperando anciosa o dia que você virá ao RIO e poderei reencontrar a minha querida Mestre.

Bjs...

Camilla Dias Domingues disse...

simplimente amei o post, amei a música e amei a descrição do filme, vou assití-lo sim!!!!
achei que tem muito a ver comigo uma vez que no meu blog digo "um blog subjetivo, não senso comum" sou o que sou e sou o que escrevo, melâncólica na maior das vezes sim e daí!? goste quem gostar. (RS!)

PS: quanto aos tarja preta, parei de usá-los, apenas de vez enquando apelo para eles.

Wilson disse...

ai ai ai... vou ter que assistir NOME PRÓPRIO correndo!

Bjs,
Wilson

:: Soul Sista :: disse...

Queridíssima Cíntia, que bom ver vc aqui de novo. Quanto teeempo! Se vc some, morro de saudade de uma das minhas mais marcantes alunas. Aí não dá. Olha, estou numa correria, por isso só vou passar no seu blog mais a noite. Mas sei que vou amar mesmo! rsrsrsrs

Camilla, o filme é vc toda, né? Até no nome da personagem. Isso mesmo. Há algo que nos impele a escrever e isso basta. Sabe como termina aquele texto da Camila (do filme) em que ela fala que a vida dela se confunde com a escrita? Ela escreve simplesmente: "Não gostou, não lê.". É por aí, né? Acho que a internet é bem interessante por isso. Não interessa, passa batido. Vai embora para outros canais, né mesmo? rsrsrsrsrsrs

Wilson, vai correndo ver. To mandando. rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

Fortíssimo abraço em tod@s!

Unknown disse...

ótima dica!

Nino disse...

Oi irmã...!
Você está a cada dia se superando mais, não...
Música ouvida, letra lida e filme baixando...
Se bobear vejo antes do Wilson, rs.
Bjs irmã e volte logo pra nossa querida terrinha.

Cintia disse...

Mais textos URGENTE ...
Estou com saudades já ...
Beijão Fabi!!

Anônimo disse...

escrevi sobre John Donne e sua linda história de amor... http://ofolhetinista.blogspot.com/2009/09/john-donne-anne-more.html

bjo

Anônimo disse...

quero ver mtooooooooooooooo esse filme! bj

Anônimo disse...

Aprendi muito

Anônimo disse...

Perche non:)