sexta-feira, 18 de junho de 2010

A JANELA DA ALMA DE MAGO


Ainda esta semana, na segunda-feira, conversava sobre o livro "Ensaio sobre a Cegueira" com a especialíssima Betsy, minha tutora de inglês. Falo dela em detalhes num outro momento, mas só digo por ora que quero envelhecer como ela, cozinhando saborosas comidas, amando o marido psiquiatra (o meu pode ser pintor de paredes, grafiteiro mesmo - rs) e freqüentando clubes de leitura com amigas de muitos anos, como ela me conta. Foi a partir desses encontros para discutir livros que ela leu o romance "Ensaio sobre a cegueira", praticamente um mito pós-moderno do escritor português José Saramago. Para ela o livro é tomado de pessimismo, já para mim soa mais como um aviso mesmo, porque de certa forma estamos todos cegos mesmo.

Não é que poucos dias depois dessa interessante conversa sobre o autor, recebo a notícia de sua partida. Morreu em casa mesmo, aos 87 anos. Com certeza, foi uma morte tranqüila (se é que isso possível). Dele para mim, além das fulgurantes histórias, ficará a possibilidade de se ser questionador até o fim, de se usar a escrita para construir filosóficas parábolas deste mundo.

Li poucos livros do autor, mas os que li foram num fôlego só, assim sem conseguir parar. Seu poema "Fala do Velho do Restelo ao Astronauta" é magnífico. Ao fazer um fictício personagem de "Os Lusíadas" dar notícias da terra para um real herói do século XX, Saramago brinca com a tradição e mostra, em distanciamento, o que temos feito conosco e com o mundo onde circulamos.
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti nem eu sei que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal soletramos, de olhos tensos,
Maravilhas de espaço e de vertigem:
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de napalme são brinquedos),
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome.

Há anos não me sai da cabeça as reflexões do escritor no documentário "Janela da Alma". Uma estrutura social capitalista, que tem nos transformado de cidadãos em clientes, é o que Saramago compreendia como cegueira. Para ele, o dito popular "O maior cego é aquele que não quer ver" é coisa séria, porque o problema da desigualdade social mundial, por exemplo, só será resolvido quando os humanos tiverem coragem de ver os mecanismos de produção que têm nos transformados em os que lucram, os que compram e os desgraçados, que vivem no limbo.

Separei do documentário, para mim, a cena mais melancólica, em que ao anoitecer de uma avenida norte-americana, tomada de letreiros e faróis de carro, a voz de Saramago narra um texto em que mostra como as luzes das grandes cidades são cavernas que nos impedem de ver a "verdadeira" luz. Soa platônico? Pode ser, mas o platonismo de Saramago, longe de querer uma ordenada República, deseja mesmo é trabalhar a possbilidade de trazer as luzes à sombra, para que através da inversão possamos achar significados e caminhos novos para a nossa existência. Que vá em paz, nosso querido e lúcido escritor!

Só para avisar, a cena está no minuto final deste trecho do filme. No youtube, vocês podem encontrar outros fragmentos de "Janela da Alma", inclusive uma fala de quase 9 minutos do escritor português.


7 comentários:

GIL ROSZA disse...

rsrsrs. hj foi dia! tbm não pude deixar de postar algo particular sobre. a propósito; belo texto o seu!

Camilla Dias Domingues disse...

direi o mesmo que disse no blog do Gil:

Mierda!
o velhinho era foda!!!!

Camilla Dias Domingues disse...

e digo mais...

salve Saramago, salve Marx!

Katia Costa-Santos disse...

É Fabi, nossas opçoes estão se esgotando e há que se ter fé na vida, anyway.

Como?

É o que teremos que descibrir on our own.

Bjs

Lina Lucia disse...

Saramago, né, cara?
Partiu também
Ainda outro dia estava em Parati...
Agora....
Que pena!
Bjs

Helton Fesan disse...

pois é pois é pois é...
depois de Saramago tudo que escrevo parece sair de episódio pastelão do chaves...
Pior, quase tudo que leio também.

Ellen Miguel disse...

Oi. Adorei o texto.
Fiquei louca pra encontrar o Blush da Nars que vc disse. Amo Blushs. Aqieles da minha paleta os tres ficam legais na pele negra, akele do Boticário marrom tem uns brilhinhos dourados que são lindossss...tenho outros, vou fazer um post falando sobre eles.
Bjosss