quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Eu me perco de mim...

Como pode? Estou indignada... Tantos livros, meu deus! Mas não tem o essencial. Só agora, depois de dois anos aqui, me dei conta de que ele não está mais perto de mim. Deixei de lê-lo por dois anos seguidos. Hoje me perdi de mim, quando quis encontrar os textos que sempre me disseram fundo e me colocaram em comunhão com uma mineira de Divinópolis (olha o nome dessa cidade que maravilha! Morar na polis do divino, só pode ser coisa para Adélia Prado). Sua Poesia Reunida, minha companheira desde os 18 anos, ficou no RJ. Deve estar em alguma caixa escura no quartinho da casa de minha mãe. Meu livro lilás, encapadinho com um plástico transparente para protegê-lo de meus dedos comilões, que o abriam muitas vezes durante o dia. Como? Como? Tristeza é pouco para o que agora sinto... Estou é meio perdida por não lembrar que com ele achava mundos em mim, mundos dos quais eu nunca participei - cidade pequena, quermesse, casamento de anos com o namorado da janela, mulher com muitos filhos, esgravatar os dentes e pensar na vida a partir de um passarinho - mas onde também eu sou.

Não quero ler poesias dela pelo Google, não quero comprar um Poesia Reunida novinho em folha e até atualizado, já que o meu é bem antiguinho. Não quero! Quero aquelas páginas brancas e enormes, com o meu lápis assinalando uma imagem ou outra, um contentamento qualquer. Quero o meu antigo objeto-livro de Adélia. Meu e dela, tudo junto! Trouxe tantos livros inúteis, mas este, o principal, lá ficou... Agora, só posso, pelo menos, compartilhar com quem me lê três de seus maravilhosos textos. Saboreiem os poemas como se estivessem comendo pudim de leite caramelizado ou o doce com que secretamente se lambuzam. A palavra de Adélia penetra os poros e desata só caos, farta beleza de se comer. Enjoy them!!!!

À MESA

Faca oxidada contra a polpa verde,
é roxo o amor.
De amoras, não.
De dor.

ANTES DO NOME

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

CASAMENTO

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Aaah... estou um pouquinho mais calma! Ao meu desejo frustrado de agora... Darei um jeito prático: mãe é boa e fuça caixas cheias de livros pra gente e os Correios (lamentavelmente cada vez menos usados para trocar cartas de amor...) estão aí pra isso mesmo, né!?

Poesias retiradas do livro Poesia Reunida. Editora Siciliano, 1991.

7 comentários:

Anônimo disse...

É tempo de resgate, amiga, de casa, de aconchego e de reflexão. Entendo Adélia, entendo ...Obama!!! Voltemos ao lar. Estejamos neste lugar que é nosso, neste lugar que fica em qualquer lugar. bjs

Márcio Macedo disse...

Hey, finally a new post! Gosto de ler suas reflexões...
Beijos obesos!

:: Soul Sista :: disse...

Tempo de aconchego e reflexão é sempre, né Angelicats!!!! Que nossas idas e vindas para tantos diferentes lugares sirvam para melhorarmos de alguma forma... Grande beijo

:: Soul Sista :: disse...

Que bom, Kibe! Também adoro ler as suas... Se uma coisa que não só pode como deve ser obeso é o beijo, né? BEIJO POOOODE!!! rsrsrsrsrrsrsrsrs Então beijos obesos pra vc tb!

Márcio Macedo disse...

...hahahaahahaha... Beijos dietéticos!

Anônimo disse...

tb tenho esse livro... lembra do recital que fizemos para ela? Sabia que tenho isso em vídeo?! Que mico! Eu estava horrivel, vc estava linda... Olha, vamos à Divinopolis? Tenho o endereço da Dona Adelia lá... Ia adorar fazer uma entrevista com ela. Lembra do poema que diz "cu é lindo, fazei o que puderdes com esta dádiva"? Só Dona Adelia mesmo!
bj deia PS Tá chic, tem mais seguidor do q eu... rs rs

:: Soul Sista :: disse...

Déa, rsrsrsrssrsrs. Só consigo rir mesmo, nem me lembrava mais desse vídeo. Outros tempos... outros sonhos. Aliás, mais de um milhão de sonhos. Tããaoooo boooom!!!!! Ai ai... Agora, ainda bem que somos poderosas para matarmos uns 10 leões por dia e engolir sapos na vida. RAPADURA É DOCE, MAS NÉ MOLE NÃO!!!!! Divinópolis espera a gente e tenho certeza de que faremos uma entrevista emocionada. Isso já basta. Grande beijo.

Ps1: digitaliza esse vídeo e me manda, viu?

Ps2: Chic!!!! Muito chic!!!! Os seguidores ainda hão de aumentar... rsrsrssrsrsrsrsrsrssrs