Hoje eu não consigo pensar, refletir, entabular idéias. Todo o meu corpo dói... Por favor, me deixem chorar! Mais um corpo de negra afro-africana se autodestrói e eu, em extensão, fragmento-me em mil megatons...
Há pessoas que só com uma obra já fundam mundos tão intensos que não precisam fazer mais nada em suas trajetórias por aqui. Converso com amigos e eles falam a mesma coisa: há músicos, cantores, intépretes, atores, intelectuais que só com uma obra, uma produção, um pensamento, uma interpretação já prestaram um grande serviço à humanidade. Daí podem descansar... Mas o mais louco é que justamente essas pessoas não descansam. Vivem vigorasamente até o fim. Até mesmo quando escolhem o dia e hora do fim de seus corpos, vivem em vigor!
Pois então, Neusa Santos Souza, ao produzir o importantíssimo estudo de caso "TORNAR-SE NEGRO ou as vicissitudes da identidade do negro em ascensão social" transformou-se em um desses seres. Um estudo quase todo descritivo de trajetórias de afro-brasileiros em angústia. Seres humanos em conflito, cujas "nóias" aparecem explicitamente como sintomas de uma doença maior - o racismo. Nossos corpos e pensamentos como sintoma, sintoma de uma história que, aqui, tem teimado em ficar invisível.
Dentro desse processo, a leitora se depara e se identifica com os paradoxais mundos afetivos ali expostos, em doentia dúvida quanto aos valores ou papéis de seus corpos. Por isso, a pesquisa acabou por demonstrar quanto o processo de tornar-se negro é doloroso e, muitas vezes, impossível de ser feito por muitas e muitos afro-descendentes, nesta terra dos tropicalismos, dos mulatismos e das democracias raciais em voga. Tudo isso foi produzido por ela, num momento de quase total fechamento do mundo acadêmico brasileiro para o afro-brasileiro tomar-se a si próprio como objeto de pesquisa (o pleonasmo aqui é ênfase trágica mesmo, apontando a voz de um grupo ainda hoje impedido, em muitos departamentos acadêmicos brasileiros, de desenvolver projetos que abordem questões que o afetem mais de perto).
Não consigo passar daí em termos da tentativa de compreender por que mais um corpo negro escolhe despregar-se de si. Hoje não é definitivamente dia pra isso! Agora, só o estarrecimento, as lágrimas, o espanto e a dor ao tomar conhecimento de que Neusa escolheu ir, espatifando-se em um asfalto ou calçada qualquer. Meu corpo, aqui protegido diante desta tela de computador, dói inteirinho, meus ossos triturados. Despedaçada em mil e um pedacinhos de sangue!
Para Neusa, hoje, dia de seu sepultamento, depois do precoce fim por ela mesma escolhido, desejo um punhado de belas flores. Dedico-lhe um ramo de enormes girassóis amarelíssimos, pela coragem de uma vida inteira, até o momento final da explosão de si!
Há pessoas que só com uma obra já fundam mundos tão intensos que não precisam fazer mais nada em suas trajetórias por aqui. Converso com amigos e eles falam a mesma coisa: há músicos, cantores, intépretes, atores, intelectuais que só com uma obra, uma produção, um pensamento, uma interpretação já prestaram um grande serviço à humanidade. Daí podem descansar... Mas o mais louco é que justamente essas pessoas não descansam. Vivem vigorasamente até o fim. Até mesmo quando escolhem o dia e hora do fim de seus corpos, vivem em vigor!
Pois então, Neusa Santos Souza, ao produzir o importantíssimo estudo de caso "TORNAR-SE NEGRO ou as vicissitudes da identidade do negro em ascensão social" transformou-se em um desses seres. Um estudo quase todo descritivo de trajetórias de afro-brasileiros em angústia. Seres humanos em conflito, cujas "nóias" aparecem explicitamente como sintomas de uma doença maior - o racismo. Nossos corpos e pensamentos como sintoma, sintoma de uma história que, aqui, tem teimado em ficar invisível.
Dentro desse processo, a leitora se depara e se identifica com os paradoxais mundos afetivos ali expostos, em doentia dúvida quanto aos valores ou papéis de seus corpos. Por isso, a pesquisa acabou por demonstrar quanto o processo de tornar-se negro é doloroso e, muitas vezes, impossível de ser feito por muitas e muitos afro-descendentes, nesta terra dos tropicalismos, dos mulatismos e das democracias raciais em voga. Tudo isso foi produzido por ela, num momento de quase total fechamento do mundo acadêmico brasileiro para o afro-brasileiro tomar-se a si próprio como objeto de pesquisa (o pleonasmo aqui é ênfase trágica mesmo, apontando a voz de um grupo ainda hoje impedido, em muitos departamentos acadêmicos brasileiros, de desenvolver projetos que abordem questões que o afetem mais de perto).
Não consigo passar daí em termos da tentativa de compreender por que mais um corpo negro escolhe despregar-se de si. Hoje não é definitivamente dia pra isso! Agora, só o estarrecimento, as lágrimas, o espanto e a dor ao tomar conhecimento de que Neusa escolheu ir, espatifando-se em um asfalto ou calçada qualquer. Meu corpo, aqui protegido diante desta tela de computador, dói inteirinho, meus ossos triturados. Despedaçada em mil e um pedacinhos de sangue!
Para Neusa, hoje, dia de seu sepultamento, depois do precoce fim por ela mesma escolhido, desejo um punhado de belas flores. Dedico-lhe um ramo de enormes girassóis amarelíssimos, pela coragem de uma vida inteira, até o momento final da explosão de si!
Until the philosophy which hold one race
Superior and another inferior
is finally and permanently discredited and abandoned
Everywhere is war, me say war.
Bob Marley
Da série BLUES
is finally and permanently discredited and abandoned
Everywhere is war, me say war.
Bob Marley
Da série BLUES
21 comentários:
Não li o "Tornar-se negro", pouco sei da trajetória de Neusa Santos Souza, mas se fiquei comovida com a primeira notícia que recebi, agora, com seu texto/ testemunho/ homenagem me sinto triste e fico aqui pensando que se "Por toda parte é a guerra..." tornar-se inteiro é a verdadeira luta de paz e de vida........... E não é fácil, sabemos, não é fácil..
Li este livro...
Nunca mais o esqueci!!
Ele é parte do que me fez ser o que sou hoje: divergente!
Na linha de Fanon, me fez perceber que nosso eu havia caído pra dentro! E a reconstrução primordial se faz também de dentro pra fora.
Nelson Maca
Salve. Salve-a. Salvemo-nos.
Estive com livro até sexta-feira. Tomei-o emprestado na biblioteca para alguns apontamentos à minha monografia. Falar do negro, em termos acadêmicos, mesmo que seja o outro, é falar de si mesmo. Acho que a Neuza foi escolhida pelo tema. Daí a amplitude, a profundidade, as dores, acidez, e outros meandros subterrâneos que só quem é sabe ou na maioria das vezes não sabe ou tem medo de saber ou quando sabe fica apavorado. Ser negro, tornar-se negro na sociedade em que vivemos é um processo dolorido. Não sou mulher, mas me arrisco a dizer que é um parto sofrido, exaustante. Ótimo vai ser quando pudermos falar de outras coisas, ir e vir, entrar e sair, rir e sonhar. Ser sem peso. Pensar em África e falar dos antepassados, sem as marcas do chicote, açoitando nossa memória, vergando nosso orgulho... Somos vulcões, maremotos, vendavais, furacões, e outras imensas forças naturais, na maioria das vezes, em conflitos com nós mesmos, por não podermos ou não termos a exata noção de como exteriorizar contidas fúrias seculares. Axé, irmã Neuza, que Olorum ilumine sua nova caminhada!
Amiga, senti-me triturada assim como vc depois de conversarmos ontem. O belo trabalho da Neusa foi referência pra mim tb, em vários momentos, e explicitamente na bibliografia do meu livro sobre o Pelé. Ventos do passado q nos sopram porque ainda estão vivos, pulsam em nós... são ventos q nos levam, amiga, por algum motivo q ainda não sei dizer, a Neusa se foi.
Ela cedeu livros para nós da Estimativa, e sempre sorteamos ele em nossos eventos, quando recebi a notícia por uma mensagem de texto no celular, foi um baque, por que esse livro, fez uma revolução em mim, um vulcão.
Confesso que pego forças para que mais do que nunca, possamos continuar com o nosso trabalho, mas que trabalho é esse? cruel?
sem palavras,vamu qui vamu, apesar do pesar..............
Eternamente Tornar-se negro(a).
Axé Neusa Santos
Revolução, ela fez em minha alma, enquanto estive deitada em seu divã. Não sei sobre torna-se negro, a cor de minha pele não é escura, mas, muito povavelmente, sendo brasileira, algum de meus avós tinha a cor de Neusa.
O que dela eu aprendi(estava aprendendo) foi torna-se Ana Paula. Meu Deus, que parece tão simples e que de fácil não tem nada.
Sempre me pondo a trabahar, acreditando em mim e no que, juntas, fazíamos.
Nada faz sentido algum hoje, mas, eu me recuso a desacreditar em tudo o que ela me disse, mesmo tendo feito diferente.
Que sua dor não exista mais.
E uma eterna gratidão.
Querida Claudia Fabiana, de fato, tornar-se inteiro é uma bela prova de nossa resistência. Embora não seja fácil, é importante estarmos nesse caminho. Quando leres o estudo a que fiz referência, verás o quanto ele é importante, em termos de suscitar profundas reflexões acerca das relação raciais no BR. Um grande beijo
Maca, com relação ao livro de Neusa, sinto o mesmo que você. Na linha de Fanon, esse importante livro nos diz por dentro, já que lida com nossas contradições subjetivas profundas, fortalecendo justamente o nosso interior. Adorei você ter passado por aqui!!!!
Oubi, Axé pra vc também! Sábias palavras. Que bom que passou por aqui, pois só assim pude conhecer o seu Cabeças Falantes!!! Mantenhamos contato de agora em diante! Salve!
Cara Angélica, fiquemos com o melhor de Neusa para cada um de nós. Suas fulgurantes e lúcidas reflexões. Apesar de uma ida com dor, muita dor, ela construiu bálsamos para nossas almas, em forma de texto e de sua atuação profissional, com seus pacientes. Inclusive, uma delas, se colocou lindamente aqui. Grande Beijo
Nosso trabalho é inferno e céu o tempo todo, Estimativa! Mas temos uns aos outros, umas às outras e umas aos outros, graças aos deuses! Continuemos nossa caminhada. Forte abraço
Querida Ana Paula, não te conheço, nunca nos vimos, mas te senti muito próxima. A revolução que sua querida analista te fez na alma, com certeza, ficará para sempre. Não importa que ela tenha seguido outro caminho. Como excelente profissional e ser humano solidário com as dores alheias, talvez tudo tenha ficado demasiado pesado para ela. Nunca saberemos o real motivo... Agora, roguemos para que a alma dela, que tanto fez por nós em vida, esteja realmente em paz. Um grande beijo, querida! Continue no seu caminho de tornar-se Ana Paula que, daqui, continuo no meu de cada vez ser mais Fabiana. Sinta-se por mim abraçada!
Minhas lágrimas denunciam a incompetência que sinto frente aos fatos. A certeza de que um momento pode mudar uma trajetória, mas não desfazuma história de luta, de coragem. Não sei se foi uma opção. Creio que as pessoas adoecem e chegam a pensar que a melhor saída é parar tudo, se deixar ir... Mas elas ficam cravadas na gente, continuam a respirar através de nós, que ficamos e lembramos de tudo o que foi partilhado. A ela, um campo de girassóis para que possa correr livre, a nós, a memória do vivido. Um fraterno abraço, Olívia Gurjão
Oi, Fabiana,
Neusa era minha vizinha de prédio há dois anos e vizinha de rua há muitos...Mulher linda, digna, discreta, elegante,tudo de bom! Vi seu corpo no chaõ de meu prédio, borrado de vermelho.Fiquei tão triste, sem entender...Juntou-se um grupo de amigos a chorar, foi algo que não sai de meu pensamento...Não conhecia seu trabalho, depois foi que o Adão e o Luis Carlos do Museu Afro Brasil de SP me esclareceram de sua importância intelectual...É, querida, fica difícil aceitar, mas talvez, vendo a questão tratada em seu livro, essa angústia nunca tenha se resolvido...Deus a ilumine!
Beijos e um Natal de esperança!
"Tornar-se negro" foi um livro de gerações, tenho certeza. Um dos primeiros que pude folhear e me reconhecer, um dos primeiros a me questionar em letras e imagens o que tentava traduzir da realidade. Neusa gravou em mim as primeiras pegadas, as primeiras marcas, impulsionou uma rebelião contida por muitas mentiras. O livro jamais parou em minha casa. O último exemplar emprestei para uma colega de faculdade, recem chegada a graduação e cheia de "neuras" quanto ao seu cabelo de negra, crespo e natural. Disse a ela que o considerava lindo e que, na sequência, ela deveria ler "Tornar-se negro" para entender melhor o pôrque dessa renúncia. Desde então o livro passou de mão em mão, semeando reflexões e acendendo pavios.
Neusa deu fim a vida, ainda não sabemos bem porque, mas deixou acesa um sem número de chamas, labaredas faiscando na gente. Sou ocidental demais para entender a morte... a vida, esta compartilho também ao lembrar a mulher, escritora e ativista negra Neusa, dos Santos como muitos de nós.
Parabéns pelo texto forte Fabiana, cheio de conversas interiores, percursos que trilhamos muitas vezes na solidão do pensamento, na morada de nós mesmos.
Estou em estado de Choque, estive com ela a tão pouco tempo e ela me disse estou esperando sua volta em breve. Porque não me esperou era só alguns dias e lhe veria inteira, e empecavelmente linda, hoje parei no tempo quando soube, estou pasma.
Dorme Neusa os anjos olham por ti
Ia ser sua cliente.
Agradeço infinitamente a todas e todos que têm por aqui passado, para prestar algum tipo de homenagem a Neusa. Que de fato ela esteja em verdejantes pastos descansando e que a sua energia na Terra ainda se multiplique em mil outros trabalhos reflexivos sobre a mente e a alma da gente, essa estranha criatura que também nos constitui.
Estava com problemas na Internet,tomei contato com esta triste notícia hoje.
Pouco ou nada, tenho a falar,somente lamentar a partida brusca da guerreira. Sonia Santos
Sonia Santos Souza,
Obrigada,por ter bebido na fonte do 'TORNAR-SE NEGRO.
Descanse em paz.
Luz!!!
Adelia AZEVEDO
04/01/2009
Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu
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