domingo, 27 de setembro de 2009

Fartura pouca, meu pirão pra todos


Cosme e Damião
Cadê Doum?
Cosme e Damião
Vem comer seu caruru...
(Domínio Público)

Salvador tem me dado muitas coisas boas, uma das que mais me emociona é a possibilidade de contar o tempo a partir de momentos sagrados que se renovam. Sejam as trezenas de Santo Antônio em junho, sejam, no mês de agosto, os filhos de santo de Omolu fazendo suas andanças de pedidos, seja o alegre mês de setembro, com múltiplos fartos carurus como oferenda a São Cosme e Damião, os famosos carurus de sete meninos.

Esse mês já fui a dois, bem diferentes, porém maravilhosos. Sinto-me espiritualmente confortada não só com a saborosa comida, mas principalmente quando vejo os preparativos, as panelas ou travessas cheias, as crianças correndo, as cocadas, a cana, a banana frita, a pipoca. Tudo muito, muito gostoso! Tão bom quanto a volta da escola pra casa, recolhendo com minha irmã Adriana, sacos e mais sacos de doces de Cosme e Damião pela Rua do Catete. Em casa, pegávamos a maior bacia, juntávamos todos os doces e tínhamos balas, maria-moles, cocadas, pés-de-moleque semanas a fora....

Esse mês cheio de dêndê e doçuras também me leva mais uma vez a refletir sobre o quanto a fartura tem sido para poucos e a miséria espalhada por entre tantos neste mundo. Hoje, ao passar pela Praça Piedade, vi três carros distribuindo não doces a crianças, mas quentinhas para dezenas de moradores de rua que por ali circulam. Adultos, tais quais crianças, corriam doidos pelo prato de comida ao meio-dia e, rapidamente, se escondiam onde dava para comerem sem serem incomodados; crianças com os braços abraçados a balas e doces também aos montes pulavam em desvantagem pelo prato de comida. Alguns meninos, ainda lerdos do efeito do crack, desconseguiam levantar do banco para disputar o almoço. Comer pra quê?

Claro, aquele almoço era saco de doce em oferenda... É, o poder do tempo sagrado pode não resolver o problema da fome, mas ameniza, por um momento, a dor de muitos. E isso é, de fato, poderoso!

Que a farta doação de amor transformada em ritual no setembro de Cosme, Damião e Doum tome radicalmente as nossas vidas para que, de fato, a alegria da fome saciada se expanda pela Terra, nossa casa toda!







segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Flores... uma infinidade de flores


Ando piegas... cada vez mais! E ultimamente dei pra usar flores no cabelo, como se quisesse mesmo dizer que por sob a força dos meus fios crespos há muita doçura, muita...

A minha caixa de madeira cuja tampa possui, em osso, um mapa da África nem fecha mais de tantas flores que há lá. Tem verdes, brancas (muitas), amarronadas, uma só vermelha e muitas, muitas coloridas, com tons de dourado, com diversas texturas, de tecido liso, de tecido estampado, de sisal, de palhinha delicada e até de plástico, uma mais linda que a outra. E tenho já em mente as que chegarão, quantas cores e formatos de flores poderei usar pra me enfeitar, fantaseando-me de mulher açucarada a passear por aí...

Nao é que hoje, diante de tão intensos e contraditórios sentimentos me deu vontade de distribuir flores a amig@s especiais que, por diferentes motivos, têm participado da minha vida recente direta ou indiretamente. Todos esses, sendo familiares ou não, inspiram-me diariamente para trilhar caminhos cada vez mais de acordo com o que acredito e quero pra minha vida e pro mundo.

Eita! Acho que acordei vendo flores em tod@s que têm me rodeado, porque recebi a terna visita de uma amiga de infância. Gente! Há coisa mais confortável do que ter um amiga de infância? Minha nossa, é muita vida junta pra atar e desatar nós... Duas meninas se conhecem aos 11 anos numa fila de escola, uma experiência nova pras duas. A maior, com cara emburrada porque não queria de jeito nenhum sair da escola antiga, com medo também. A menorzinha toda animadinha e solta... Aqui é a fila da 1503? É sim, responde a maior, sem querer prolongar o papo. Apesar de a menor ter achado a maior metidinha, a identificação foi mútua e quase instantânea. O tempo tem passado, nossas vidas têm tomado caminhos tão distintos, mas a admiração mútua continua. Sinto muitos fios atando-nos uma a outra, apesar da distância física já há alguns anos, apesar de sermos mesmo bastante diferentes uma da outra. Mas isso não importa, porque o que importa nas longas amizades é saber que a pessoa está lá, em algum lugar do mundo, vivendo a própria vida, mas que ao primeiro alô ou abraço a intimidade de sempre é instantaneamente retomada, tanto tanto que até zoação é a mesma de sempre. Através de amig@s de muito tempo nos reconhecemos novamente pelo olhar antigo-novo lançado sobre nós. Às vezes, achamos que mudamos muito, mas vem a amiga e mostra o quanto algum
as ações, discursos ou maneira de ser são os mesmos de anos atrás. Os conselhos continuam sinceros, desinteressados de tudo que seja interesse prático, material. E as fofocas, nossa, as fofocas são sempre renovadas... Muito bom!

A presença de Thati aqui em casa deu leveza a um momento triste pela perda da minha querida Tia Áurea, Bubu para os de casa (Quem quiser conhecer um pouco dessa mulher especialíssima, leia neste mesmo blog o texto MINHAS DUAS ANCESTRAIS VIVAS (declaração de amor). Apesar da tristeza da ausência, a tranqüilidade de saber que uma mulher tão boa, espirituosa e engraçada como Tia Bubu sofreu pouco no seu fim. Sinceramente, o Deus que ela tanto acreditava não podia deixá-la sentir muita dor, se angustiar mais do que a própria angústia de se saber próxima do fim indefinido... que nos espera sempre. Agora, sentada ao lado de Lelinho, seu irmão, e de todos os outros que já estavam ansiosos para rever sua alta gargalhada, tenho certeza de que Tia Bubu está em paz! Como despedida, ela, envolta em lindas margaridas brancas e amarelas, ao lado dos que a amavam assistimos a uma linda missa cantada. Por um instante, pude escutar sua voz cantando alto e suas palmas exultantes! Ali então senti que ela foi embora feliz. Acho mesmo que ela desencantou daqui, para encantar outros mundos, outras gentes...

Voltar pra casa do funeral e rir com Thati foi um bálsamo de doce aroma regando as infinitas flores do meu próprio jardim... Por tudo isso, a vontade de distribuir ramos de flores aos amigos mais queridos veio dos últimos quatro dias intensos em alegria, tristeza, saudade e amor.

Presenteio então com flores desde Kibe (Márcio Macedo), meu inteligentíssimo amigo à distância que muito me faz rir e tem o poder de colocar o meu lento cérebro para funcionar, a Naná, cuja proximidade faz com que viajemos na maionese quase diariamente, mulheres da lua que somos, passando por Thatiana, é claro, Miranda, Claudia Fabiana, Angélica, Dani, Su, Déa, Kátia, Adjoa, Jason, Renato, Adriana, Felipe, Lina, Walfredo, Tias Zelina e Bubu, Lua, Joana, Wilson, Fábio, Simone, Carlinhos, Lu, Máxima, Fili e Flora. A tod@s vocês, agradeço a amizade através do florido cenário e figurino do show de Vanessa da Mata, cantando a alegre música BAÚ. No meu bauzinho afrocentrado, não estão só as lindas flores que têm me enfeitado por aí, estão também a memória boa, muito boa de cada um de vocês...