Ninguém nunca teve um avô encantado.
Ninguém tem a confortante memória musical de um quarto escurecendo no final da tarde, uma música cantada por uma linda voz tenor, embalada por palmadas boas na bunda, marcando o ritmo de inúmeras cantigas de ninar. Hoje, quando a neta não tem a quem abraçar lá pelas cinco, seis horas da tarde sente uma tristeza desamparada.
Ninguém teve um avô paciente que fazia de todas as refeições um ritual e um momento para contar suas memórias de mar, de pescarias, das aventuras com titio Boa, de dores contidas e da infância perfeitamente imaginada. Ninguém teve um avô que amava tanto sua ilha encantada que levava sua neta casa por casa, apresentando-a orgulhoso aos velhos amigos de infância.
Ninguém teve um avô inventor, de complexas redes elétricas e geringonças loucas a delicadas casinhas de boneca. Ninguém teve um avô que de tudo conhecia um pouco e fazia por telefone, com a neta, os trabalhos mais difíceis da escola. Ninguém teve mesmo um avô visionário... Sabia que a neta amaria palavras, por isso quando ela tinha dez anos, sem que ninguém soubesse, iniciou um livro de etimologia pra presenteá-la.
Ninguém teve um avô taumaturgo que elaborou, para uma viagem da neta, um minucioso roteiro, de Los Angeles a São Francisco, costeando o Pacífico, com direito a detalhar paisagens que ela veria em diversos pontos da estrada. Aliás, ninguém teve um avô destemido que sonhava para neta um jipe bem grandão, para que ela através dele descobrisse sempre novos mundos, indo muito além do que ele pudera ir. Mal sabia ele que a sua imaginação o teria levado a lugares que a neta jamais adentraria.
Ninguém nunca teve um rei de palavras que deixou em forma de livro começado histórias de uma família negra e nordestina, para que todos os que dele surgissem pudessem se sentir sempre responsáveis por seus antepassados e pelos que ainda chegariam a esse mundo. Ninguém teve um avô que imaginava silenciosamente nomes para os que viriam, mas que jamais os revelava para não interferir no curso do tempo. Será que os nomes de agora são do gosto dele?
Ninguém, mas ninguém mesmo teve um avô que, aos 85 anos, entrou emocionado pela primeira vez em uma universidade, espaço por ele visto como sagrado, dentro do qual nunca antes pudera entrar. Naquele dia, a neta agradecia a todos os encantos dele recebidos e dedicava-lhe seu trabalho final de mestrado com a certeza de que nunca poderia retribuir as tamanhas maravilhas dos mundos construídos por seu amor maior.
No fundo, no fundo, ninguém jamais teve um leli, um Leli encantado...
domingo, 7 de setembro de 2008
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19 comentários:
não, na verdade ninguém nunca teve...um leli assim...felizarda em ter tão amorosas lembranças
Naaa, ninguém teve o meu Leli realmente, mas que bom que temos lembranças boas da vida de muitas coisas e pessoas, né? Bjs
Fafazinha,
já conhecia o seu Leli. Não lembro em que dia, nem em que hora. Mas, deve ter sido em um destas conversas que a gente termina rindo um bocado.Uma vez voce falou dele e como eram os cafés da manhã. Não esqueci, por que via, na sua crônica contada, o quanto Leli foi importante em sua vida.
O seu texto, e o seu Leli, dá na gente um aconchego boommm.
Que voce possa sempre trazer Leli em seu coração e se aconchegar nestas coisas, emoções e lembranças!
Lindo texto e lindo blog.
Botou a cara na janela, heim, neguinha!
Obrigada por linkar No Olho da Rua!
Beijão
Sueli
Privilégio raríssimo, minha linda... avô, ilha e povo "mais que encantado"... putz!!!
De fato, sabendo agora todos esses pormenores de sua vivência e convivência com o grande Leli, pude entender a homenagem que você prestou a ele na apresentação de sua monografia de mestrado. E tendo conhecido muito bem ele como conheci, creio que foi algo muito justo e na hora certa, já que um reconhecimento merecido e prestado a ele ainda em vida.
Valeu e + beijos do seu pai,
Walfredo
linda!!!!!!!!!!Nota preta... sensível e presencial. É assim que te vejo,Fá. "SoulFã"
O anônimo é Claudia Miranda
1a. ou 3a. pessoa, é mais um detalhe para além do que está no centro. Parabéns pela estória que se conta e se renova no contar; ouvir Leli ajuda a seguir em frente, acreditando em encontros cheios de árvores e quintais e cheiros...
Parabéns, parabéns!!!!!!!!
Mãe Lina disse:
Que bom ler essas lindas coisas escritas sobre o meu pai, Fafá...
Ele tinha muito orgulho de vocês, de você em especial porque era (é) estudiosíssima. Ele achava isso o máximo.
Acho que ele anda por aí, por aqui, nos ajudando e protegendo. Tomara, né?
Bjs
Lindo o seu blog! Parabéns
Fabiana! Que tri e que bonito !!!!!!
gostei muito dessa tua invenção, até já me inspirou ... desandei a escrever também. Parabéns!
Bj grande
Denise
Suuu, obrigada por ter feito eu colocar logo esse bloco na rua. Continuemos a trocar figurinhas... Beijos
Miranda, você sabe que também sou sua Soulfã - rsrsrsrsrs Grande beijo
Claudia Fabiana, são justamente espaços com enormes goiabeiras e pitangueiras de quintal que nos levam adiante sempre, né? Ta faltando vc aqui em forma de blog. Apresse isso logo! Beijos
Denise, que bom que pude inspirá-la, mas sei que vc já é uma inspirada nata. Vamos escrever... Sempre, sempre. Beijos
Mãe, obrigada sempre por tudo. Principalmente, pelos meus avós, porque Suli também está guardada fundo em mim. Beijos
Pai, sabia que mais cedo ou mais tarde, vc ia me entender... rsrsrsrs Beijos
q lindo! um bjo amiga! deia
Nada como uma irmã letrada(rs) pra ajudar a arrumar as idéias e ter uma visão mais ampla da situação.
Desde de 2002 que sinto que falta algo em mim e não sabia o q era. Só sabia que faltava, que doía, que gritava... E qd li esse texto sobre o Leli entendi que ele faz parte e está dentro de mim. Foi peça importante na minha construção e um porto seguro. E ainda tive a felicidade de conhecê-lo melhor e de me tornar sua amiga ao final da sua linda vida aqui nesse mundo.
Então agradeço o privilégio de ter tido um avô como ele.
Até mais ver Leli.
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