quinta-feira, 26 de março de 2009

Paulo Diniz e memórias em lá menor


Das escalas musicais, as que mais me chamam atenção, me tocam por dentro, são as menores. Não sei bem por quê, mas se gosto muito de uma música e sinto uma avassaladora dor que não sei da onde veio, podes crer... Ela foi feita em escala menor.

No início da adolescência, inclusive, a música que primeiro toquei ao piano com um profundo sentimento foi "Norturno da Lua", de Mark Nevin. Com uma levadinha de jazz, acordes fáceis e ritmo quebrado, sincopado talvez, lembro que foi a primeira peça musical que me levou a fruir a melodia, adentrando, com todo o meu corpo, no mundo hamonicamente melancólico criado, em tom menor,pelo autor.

Com o tempo, acabei estendendo a escala menor, na minha linguagem pessoal (nem sei, mas acho que todo mundo tem uma: expressões, palavras ou frases usadas demais quando pensamos conosco mesmas), tudo o que é melancolia estética. Então se alguma letra, poesia, conto, romance, filme me leva a espaços sombrios de mim, logo classifico como escala menor. Uso freqüentemente, nas conversas de mim comigo, a mais comum: lá menor. Mas, entendam, não vejo aqui o lá menor como uma tristeza que afunda, levando-me a zonas ainda mais sombrias e sem saída. Falo de uma tristeza bela, uma dor tão radical, que acaba por ser até transformadora. Sentir-se tocado pela melancolia, através da música, de qualquer outro tipo de obra de arte, ou até mesmo da própria vida, é uma experiência de beleza, pelo menos para mim.


Pois então, gente, hoje tive um delicioso almoço em lá menor. Sentada no segundo andar do bar Líder, fiquei a vislumbrar, em rememoração, caminhos por mim passados e repassados nos últimos dois anos . Bem à minha frente, o casarão verde, sede do meu curso de doutorado. Ali num momento de dor em meio à possibilidade de deixar de ver aquele vai e vem do Largo Dois de Julho, obviamente, o verde da construção ganhou cargas simbólicas múltiplas. Como minha vida mudou de dois anos para cá! Tantos novos caminhos a trilhar, para muito além da Baía de Todos os Santos, quantos novos mundos se abriram em mim, mostrando-me morar em minhas entranhas o infinito... Isso, é verdade, já desconfiava antes, mas agora encaro numa boa o caos sem ter medo desse fim sem fim, dessa imaginação caótica de algo que não acaba nunca.


Como a tarde estava muito quente, pedi água mineral. Cinco minutos depois, para relaxar, uma cerveja latinha (pelo menos na minha cabeça, já que estava sozinha), mas o garçom entendeu garrafa. Deixei... Com certeza não tinha parado à toa aquela garrafa ali. Depois do almoço propriamente dito, passei a saborear aquela gelada e o cotidiano azoado e acolhedor do Dois de Julho. Pessoas de fisionomia conhecida, muitas crianças correndo ou voltando da escola. Último copo, cerveja acabando, escuto, no rádio do Líder, uma voz conhecida: "O meu amor choroooooooooou/ Não sei por que razão/ O meu amor chorooooooooou/ Não sei por que razão...".


Nossa, dentre os discos do meu pai, aos oito ou dez anos, uns dos que eu mais gostava eram os de Paulo Diniz. Ficava horas escutando aqueles álbuns cujas músicas só falavam de pessoas que iam embora ou questionavam sobre a existência, a partir de uma voz dramaticamente rouca. Ao escutar hoje a canção de Diniz, fiquei pensando o que tornava suas músicas lá menor, embora todas possam ter sido feitas em escala maior (na verdade, não sei que tons ele usa em cada uma das canções, e isso pouco imorta). Para os meus ouvidos, o tom melancolicamente menor é flagrande em álbuns como Estradas ou Quando voltar pra Bahia.


Não interessa, seja em músicas tradicionalmente infantis (Como pode o peixe vivo/ Viver fora d´água friiiaa/ Como poderei viveeeer/ Como poderei viveeer/ Sem a sua, sem a sua, sem a sua companhia...), em canções de amor perdido (Choreeeeei de amor eu seeeei/ Um choppeeeeeee pra distrair...), em letras cuja mácula é o non-sense (Ponha um arco-íris na sua moringaaaaaa/ Ai ai ai aaaai) ou o bastante cantado desejo nordestino de voltar pra casa, depois de passar por agruras no Sul Maravilha do Brasil (I don´t want to stay heeeere/ I wanna to go back to Bahia), (Eu vim de piripiriii, eu vim de piriperiii/ eu vim de piripiriii, de piripiri de piripiriiiiiiiii), o tom menor corta afiado a voz do cantor que, hoje em dia, anda bem sumido. Outro dia li no jornal A Tarde uma entrevista com ele. A jornalista informou que não havia fotos, porque ele não queria aparecer doente, vaidoso que era. Respeitemo-lo então...


As melodias dele são tão tocantes, que fez meu pai, certo dia classificar-me como uma menina de "alma anciã", muito mais velha que a dele própria, porque, em uma de nossas viagens de carro para Salvador, dentre as inúmeras fitas que levávamos, sempre sacava as de Diniz e cantava alto junto com ele as sombrias cóleras da existência humana - como diz outro poeta daqui do nordeste, "existirmos a que será que se destina?..."


Na tarde pelando do outono de cá, a escala lá menor adentrou a minha vida, fez-me recordar passagens muito alegres do meu passado próximo, encher os olhos de lágrimas ao escutar o canto de Paulo Diniz e, no fim da tarde belamente triste, decidir melancolericamente continuar firme no meu caminho de ir além, muito além da Baía de Todos os Santos!


Lembrei agora no arremate deste texto que um namorado de alguns anos atrás dizia que eu tinha uma tristeza lírica ou uma beleza triste. Tudo bem, ele era poeta e devia ver lirismo e trocadilho de sentidos em tudo, né? Mas que há beleza libertadora na melancolia, há!



domingo, 22 de março de 2009

VIVER EM FALANGE

Um parágrafo bem antigo é a única fonte de escrita para o momento. Espada em riste, luta certa!

FALANGE


Som rascante o dessa palavra. Fortíssima ela: falange. Congrega tantas informações em si mesma, que a sua intensidade remonta há muitos lugares de tempo. Muitas estações de memória. Aqui e lá, no alto e embaixo, mundo dos deuses e dos homens, tudo envolto na metáfora da guerra. Viver em falange: uma atitude perante o mundo e a vida em direção à libertação do meu “eu” e da minha coletividade. Pensar na palavra em potência é um magnífico exercício de humildade, perspicácia e mobilização da mente. Ta aí: gostei!!

Escrito em 23/05/2006