domingo, 14 de novembro de 2010
Mulher Possível - Poema para o dia de hoje
Hoje acordei ao som de "Com licença poética" da Adélia. Confesso, chorei, chorei mesmo, mas depois, logo depois eu ri um riso largo. O melhor de tudo foi o início da volta da vontade de escrever. Eu to voltando, Adélia! Quem sabe eu não estou voltando...
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
SENTIMENTO BOM
Abro a semana com uma música que me acalma, porque os próximos dias vão ser, como dizem, pauleira. E em meio a dificuldades, um dos escapes é pensar no mar quentinho de Salvador, um mar acolhedor. Que ele acolha tudo o que eu serei daqui pra frente.
E vida que segue...
FILOSOFIA REGGAE - Sentimento bom
O sol, a lua e as estrelas
É tudo muito lindo
O som no ar, faz você dançar, bonita melodia
No tom eu canto livremente relaxando a minha mente
A sós no mar podemos viajar
No mar um banho pra comemorar
No mar um banho pra purificar
Um sentimento bom palavra de irmão
Carrego dentro do meu coração
Toda magia e a sintonia e um incenso pra purificar
No tom eu canto livremente relaxando a minha mente
A sós no mar podemos viajar
No mar um banho pra comemorar
No mar um banho pra purificar
quinta-feira, 8 de julho de 2010
MEUS TAMBORES ou dançando pra subir
Engraçado, quando meu corpo se sente ameaçado, só me sinto tambor. Não há palavras a serem ditas, só esperar os lutos passarem. Enquanto isso, mexo meu corpo ao som de atabaques pedindo a todos os orixás para tomarem conta de mim e dos meus.
Não sou de dentro nem nada, mas peço licença e escuto os tambores tocar. Meu corpo se mexe mesmo nos lugares mais inadequados. É um pouco dos ombros fazendo gracinha, o pé batendo o ritmo no chão, os braços dobrados se espalhando para os lados, as cadeiras se remexendo, mesmo eu sentada, e até a mão gesticulando tal qual um espelho que reflete a beleza de Oxum. Danço, agradeço tudo não ter sido ainda pior e canto, canto um pouco também algumas palavras que se cravam em mim.
"Lá no Malê-Debalê
Que Ogum fez o seu gongá
É lá que se vai bater pra esse orixá
No toque do Adarrum
O povo vai rodear
Chamando a nação pra ouvir o som Ijexá
Obá-Logum, Oramiã, Ogum-de-Lê
Deixa descer toda falange
Ogum Maiê, Ogum Mejê
Ogum Beira-mar
Me dê licença e permissão para dançar
Ogum Maiê, Ogum Mejê
Ogum Beira-mar
Me dê licença e permissão para dançar"
Sinto uma ínfima felicidade por fazer parte de um povo que canta, toca e dança quando fala com deuses. E agradeço de novo, tudo de bom, ruim e radical que tem acontecido na minha vida ultimamente, porque como disse uma querida prima: "A morte só pode ser para a gente viver melhor".
Esse texto curtinho assim é só mesmo pra dizer que tenho dançado pra subir tudo que não deve ficar por aqui, perto de mim. Tudo que precisava ir embora e se foi, mesmo a contragosto.
Esse texto é tambem um recadinho para o meu pai: "Pai, estou com você! Eu, Adriana e Felipe estamos juntos sempre, principalmente nos piores momentos. Força para seguir o seu caminho. Seus chatos filhos nunca te deixarão só, viu?"
Por fim, queria contar pra vocês que ando em estado de contrição, por isso tenho escutado o som de diferentes ogãs. Nas duas últimas semanas, meu Ipod tem me feito dançar ao som de Rum, Rumpi e Le, como vocês podem acompanhar pelas músicas que seguem
sexta-feira, 18 de junho de 2010
A JANELA DA ALMA DE MAGO
Ainda esta semana, na segunda-feira, conversava sobre o livro "Ensaio sobre a Cegueira" com a especialíssima Betsy, minha tutora de inglês. Falo dela em detalhes num outro momento, mas só digo por ora que quero envelhecer como ela, cozinhando saborosas comidas, amando o marido psiquiatra (o meu pode ser pintor de paredes, grafiteiro mesmo - rs) e freqüentando clubes de leitura com amigas de muitos anos, como ela me conta. Foi a partir desses encontros para discutir livros que ela leu o romance "Ensaio sobre a cegueira", praticamente um mito pós-moderno do escritor português José Saramago. Para ela o livro é tomado de pessimismo, já para mim soa mais como um aviso mesmo, porque de certa forma estamos todos cegos mesmo.
Não é que poucos dias depois dessa interessante conversa sobre o autor, recebo a notícia de sua partida. Morreu em casa mesmo, aos 87 anos. Com certeza, foi uma morte tranqüila (se é que isso possível). Dele para mim, além das fulgurantes histórias, ficará a possibilidade de se ser questionador até o fim, de se usar a escrita para construir filosóficas parábolas deste mundo.
Li poucos livros do autor, mas os que li foram num fôlego só, assim sem conseguir parar. Seu poema "Fala do Velho do Restelo ao Astronauta" é magnífico. Ao fazer um fictício personagem de "Os Lusíadas" dar notícias da terra para um real herói do século XX, Saramago brinca com a tradição e mostra, em distanciamento, o que temos feito conosco e com o mundo onde circulamos.
Não é que poucos dias depois dessa interessante conversa sobre o autor, recebo a notícia de sua partida. Morreu em casa mesmo, aos 87 anos. Com certeza, foi uma morte tranqüila (se é que isso possível). Dele para mim, além das fulgurantes histórias, ficará a possibilidade de se ser questionador até o fim, de se usar a escrita para construir filosóficas parábolas deste mundo.
Li poucos livros do autor, mas os que li foram num fôlego só, assim sem conseguir parar. Seu poema "Fala do Velho do Restelo ao Astronauta" é magnífico. Ao fazer um fictício personagem de "Os Lusíadas" dar notícias da terra para um real herói do século XX, Saramago brinca com a tradição e mostra, em distanciamento, o que temos feito conosco e com o mundo onde circulamos.
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti nem eu sei que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.
No jornal soletramos, de olhos tensos,
Maravilhas de espaço e de vertigem:
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de napalme são brinquedos),
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome.
Há anos não me sai da cabeça as reflexões do escritor no documentário "Janela da Alma". Uma estrutura social capitalista, que tem nos transformado de cidadãos em clientes, é o que Saramago compreendia como cegueira. Para ele, o dito popular "O maior cego é aquele que não quer ver" é coisa séria, porque o problema da desigualdade social mundial, por exemplo, só será resolvido quando os humanos tiverem coragem de ver os mecanismos de produção que têm nos transformados em os que lucram, os que compram e os desgraçados, que vivem no limbo.
Separei do documentário, para mim, a cena mais melancólica, em que ao anoitecer de uma avenida norte-americana, tomada de letreiros e faróis de carro, a voz de Saramago narra um texto em que mostra como as luzes das grandes cidades são cavernas que nos impedem de ver a "verdadeira" luz. Soa platônico? Pode ser, mas o platonismo de Saramago, longe de querer uma ordenada República, deseja mesmo é trabalhar a possbilidade de trazer as luzes à sombra, para que através da inversão possamos achar significados e caminhos novos para a nossa existência. Que vá em paz, nosso querido e lúcido escritor!
Só para avisar, a cena está no minuto final deste trecho do filme. No youtube, vocês podem encontrar outros fragmentos de "Janela da Alma", inclusive uma fala de quase 9 minutos do escritor português.
Separei do documentário, para mim, a cena mais melancólica, em que ao anoitecer de uma avenida norte-americana, tomada de letreiros e faróis de carro, a voz de Saramago narra um texto em que mostra como as luzes das grandes cidades são cavernas que nos impedem de ver a "verdadeira" luz. Soa platônico? Pode ser, mas o platonismo de Saramago, longe de querer uma ordenada República, deseja mesmo é trabalhar a possbilidade de trazer as luzes à sombra, para que através da inversão possamos achar significados e caminhos novos para a nossa existência. Que vá em paz, nosso querido e lúcido escritor!
Só para avisar, a cena está no minuto final deste trecho do filme. No youtube, vocês podem encontrar outros fragmentos de "Janela da Alma", inclusive uma fala de quase 9 minutos do escritor português.
sábado, 12 de junho de 2010
eu, um hotel atlântico
Que ninguém me diga que ser anti-convencional é fácil, porque não é. Pelo menos pra mim! Queria mesmo era querer o que todo mundo quer. Metida a super-heroína como sou, prefiro os impossíveis, os limites. Às vezes me pergunto: pra que tanta aula sobre Guimarães e sua escrita dos entremeios, dos zonadas de cada um de nós? Pra quê?
Ser anti-convencional não é uma escolha, mas uma imposição. A única maneira de ser. Bom, se for uma escolha, é uma escolha à revelia (talvez qualquer escolha seja sempre um pouco isso mesmo). Sei não, viu, gente! Só sei que às vezes canso de pensar e, ainda cansada, continuo pensando. É demais! A obsessão por ver o detrás por detrás das coisas me atropela e quase nem sei pensar objetivamente.
Sou uma desastrada na vida cotidiana. Meu corpo esbarra em tudo, todo mês dou uma topada no pé (daquelas assim de dor de grito e unha quebrada, sabe? No mesmo pé da conhecida cama), perco guarda-chuva enorme dos outros, todo ano começo uma agenda nova, mas quase nunca uso e ainda borro minha unha todinha quando pinto de vermelho. Sem contar que, péssima amiga, não gravo o aniversário de ninguém, só dos familiares próximos, porque aí também, né? Até os dos meus sobrinhos tive que fazer força para memorizar, mas sei que uma é em julho e outro em outubro (ou setembro?). Às vezes nem eu me agüento! Dêem uma olhada no email de uma querida amiga de infânica, que sei que faz aniversário no dia 3 de julho, mas mesmo assim esqueço:
"Babi darling,
Happy Birthday
Muitas felicidades, prosperidade e sorte em seu caminho.
Grande beijo,
ps: Ve se toma vergonha and remember my birthday on July 3 girrrl, after 26
years of friendship.... hahahahahahahaha"
Dessa forma, sempre que sinto que alguém vai se tornar meu amigo pra valer, já vou logo comunicando: "pode contar comigo pra afogar mágoas até de madrugada, mas nunca lembro o aniversário de ninguém. Tem problema?" Assim já é mais prático e as pessoas me avisam antes. Ontem mesmo uma me disse: "Faaa, trate de lembrar do meu aniversário no dia 19 de junho, viu?" Tratei foi de anotar no meu bloquinho de fadas pra nunca mais me esquecer!
Olha só, bloquinho de fadas... Sou aquela do mundo das nuvens... Por isso esse desastre na vida real! Anti-convencional como sou, tenho momentos de profundo recolhimento, tão tão intenso, que sei, às vezes assusto as pessoas. Como da última vez que estive no Rio, minha cidade.
Foi um momento muito difícil de várias indefinições para mim. Não me sentia à vontade em nenhum lugar conhecido. Queria um espaço de trânsito, de passagem, neutro. Foi aí então que decidi ir para um hotel. Me hospedei no último andar desse prédio branco aí em cima, cravado na Rua Gomes Freire. Ali passei meus últimos dias de RJ, como uma estrangeira no meu próprio lugar (se é que tenho algum). A linda vista para a Av. Almirante Barroso e o lugar da hospedaria (cravado nos Arcos da Lapa) foram o que eu precisava para não me perder de vez. Poucas pessoas sabem (sabiam) disso, porque as que souberam, me ofereceram a casa, desculpando-se, como se fossem péssimos amigos por não terem oferecido antes.
Não era nada disso! Tenho poucos, mas queridíssimos amigos. Se quisesse ir pra casa de qualquer um deles, falaria. Não era o caso. Eu precisava mesmo era de um não lugar acessível! Dá pra entender?
Nessa história, sei que magoei muita gente pela minha esquisitice: desde minha mãe, que na época estava com casa nova e arrumou um quarto só porque eu ia chegar, uma grande amiga que morava na mesma rua do hotel e um ex-namorado e amigo de quase 20 anos (contamos outro dia- já estou naquela fase de não dizer mais quantos anos eu tenho, sabe? - rs), que fez um favorzão pra mim e depois eu sumi e, imperdoável, ainda esqueci o aniversário dele um mês depois. Só agora, ele está voltando a conversar e rir comigo de novo via MSN. Ele já até me pediu presentinho daqui! Ainda bem... Sou esquisita, anti-convencional, o escambau, mas uma das coisas que mais me conforta é preservar amizades, mesmo aos trancos e barrancos assim.
Ai, gente! Queria mesmo ter a paciência de esperar a carne assada ficar pronta e, enquanto isso, dar conta das crianças chegando da escola, dar banho, explicar dever de casa, ver televisão com elas, esperar linda o marido chegar, jantar com ele, deixando-o contar em detalhes todas as aventuras do dia. Mas não! Sou mesmo é um hotel, um hotel atlântico, puro mar aberto e profundo. Às vezes até eu mesma me queimo de tanto sal no meu mundo...
E como este foi um post inundado de parêntesis, aí vai mais um, o derradeiro (Pra não dizer que não falei de flores, hoje estou assim tocada, mesmo em terra estranha e sem namorado. Todo casal que vejo, murmuro bem baixinho pra não dar uma de maluca: "Happy Valentine's Day". E no meu Ipod só toca esta canção de Da Matta, porque quero um amor assim, em que "só nós dois sabemos ser príncipes sem um tostão").
Abraço apertadinho em tod@s, principalmente nos meus amig@s que amo de paixão!
Ser anti-convencional não é uma escolha, mas uma imposição. A única maneira de ser. Bom, se for uma escolha, é uma escolha à revelia (talvez qualquer escolha seja sempre um pouco isso mesmo). Sei não, viu, gente! Só sei que às vezes canso de pensar e, ainda cansada, continuo pensando. É demais! A obsessão por ver o detrás por detrás das coisas me atropela e quase nem sei pensar objetivamente.
Sou uma desastrada na vida cotidiana. Meu corpo esbarra em tudo, todo mês dou uma topada no pé (daquelas assim de dor de grito e unha quebrada, sabe? No mesmo pé da conhecida cama), perco guarda-chuva enorme dos outros, todo ano começo uma agenda nova, mas quase nunca uso e ainda borro minha unha todinha quando pinto de vermelho. Sem contar que, péssima amiga, não gravo o aniversário de ninguém, só dos familiares próximos, porque aí também, né? Até os dos meus sobrinhos tive que fazer força para memorizar, mas sei que uma é em julho e outro em outubro (ou setembro?). Às vezes nem eu me agüento! Dêem uma olhada no email de uma querida amiga de infânica, que sei que faz aniversário no dia 3 de julho, mas mesmo assim esqueço:
"Babi darling,
Happy Birthday
Muitas felicidades, prosperidade e sorte em seu caminho.
Grande beijo,
ps: Ve se toma vergonha and remember my birthday on July 3 girrrl, after 26
years of friendship.... hahahahahahahaha"
Dessa forma, sempre que sinto que alguém vai se tornar meu amigo pra valer, já vou logo comunicando: "pode contar comigo pra afogar mágoas até de madrugada, mas nunca lembro o aniversário de ninguém. Tem problema?" Assim já é mais prático e as pessoas me avisam antes. Ontem mesmo uma me disse: "Faaa, trate de lembrar do meu aniversário no dia 19 de junho, viu?" Tratei foi de anotar no meu bloquinho de fadas pra nunca mais me esquecer!
Olha só, bloquinho de fadas... Sou aquela do mundo das nuvens... Por isso esse desastre na vida real! Anti-convencional como sou, tenho momentos de profundo recolhimento, tão tão intenso, que sei, às vezes assusto as pessoas. Como da última vez que estive no Rio, minha cidade.
Foi um momento muito difícil de várias indefinições para mim. Não me sentia à vontade em nenhum lugar conhecido. Queria um espaço de trânsito, de passagem, neutro. Foi aí então que decidi ir para um hotel. Me hospedei no último andar desse prédio branco aí em cima, cravado na Rua Gomes Freire. Ali passei meus últimos dias de RJ, como uma estrangeira no meu próprio lugar (se é que tenho algum). A linda vista para a Av. Almirante Barroso e o lugar da hospedaria (cravado nos Arcos da Lapa) foram o que eu precisava para não me perder de vez. Poucas pessoas sabem (sabiam) disso, porque as que souberam, me ofereceram a casa, desculpando-se, como se fossem péssimos amigos por não terem oferecido antes.
Não era nada disso! Tenho poucos, mas queridíssimos amigos. Se quisesse ir pra casa de qualquer um deles, falaria. Não era o caso. Eu precisava mesmo era de um não lugar acessível! Dá pra entender?
Nessa história, sei que magoei muita gente pela minha esquisitice: desde minha mãe, que na época estava com casa nova e arrumou um quarto só porque eu ia chegar, uma grande amiga que morava na mesma rua do hotel e um ex-namorado e amigo de quase 20 anos (contamos outro dia- já estou naquela fase de não dizer mais quantos anos eu tenho, sabe? - rs), que fez um favorzão pra mim e depois eu sumi e, imperdoável, ainda esqueci o aniversário dele um mês depois. Só agora, ele está voltando a conversar e rir comigo de novo via MSN. Ele já até me pediu presentinho daqui! Ainda bem... Sou esquisita, anti-convencional, o escambau, mas uma das coisas que mais me conforta é preservar amizades, mesmo aos trancos e barrancos assim.
Ai, gente! Queria mesmo ter a paciência de esperar a carne assada ficar pronta e, enquanto isso, dar conta das crianças chegando da escola, dar banho, explicar dever de casa, ver televisão com elas, esperar linda o marido chegar, jantar com ele, deixando-o contar em detalhes todas as aventuras do dia. Mas não! Sou mesmo é um hotel, um hotel atlântico, puro mar aberto e profundo. Às vezes até eu mesma me queimo de tanto sal no meu mundo...
E como este foi um post inundado de parêntesis, aí vai mais um, o derradeiro (Pra não dizer que não falei de flores, hoje estou assim tocada, mesmo em terra estranha e sem namorado. Todo casal que vejo, murmuro bem baixinho pra não dar uma de maluca: "Happy Valentine's Day". E no meu Ipod só toca esta canção de Da Matta, porque quero um amor assim, em que "só nós dois sabemos ser príncipes sem um tostão").
Abraço apertadinho em tod@s, principalmente nos meus amig@s que amo de paixão!
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Pipa vive mesmo é no céu...
A gente se emociona com cada coisa nesta vida... Pois então, esta semana todos lá em casa (mesmo todo mundo morando em casas diferentes, a casa continua sendo lá) ficamos muito tocados com a morte de um jovem vizinho da minha mãe. Lina Lúcia, minha mãe, há poucos meses se mudou para o Encantado, subúrbio do Rio, e lá tínhamos a companhia constante de Lambari, quase sempre no portão da casa dela, em frente à loja de pipas que ele possuía. Sua vida se resumia àquela rua e era uma vida colorida de pipeiro.
Os mistérios de Lamba só conhecemos mesmo esta semana. Várias incongruências da vida da maioria dos pobres brasileiros fizeram com que o sepultamento fosse marcado por um grande desamparo. Não é que hoje abro o email e encontro estas lindas palavras de minha mãe, contando sua dor e seu carinho por um vizinho terno que oficialmente não era ninguém.
"Quando comprei a casa do Encantado o conheci.
Sempre sorridente, aliás, o sorriso fazia parte dele. Quem é aquele rapaz gordinho e simpático?
Aos poucos fui o conhecendo e soube que se chamava Luciano, ou melhor, Lambari. Lambari porque era assim que o Encantado inteiro o chamava. Esse era o seu apelido porque desde pequeno era barrigudinho.
As crianças o amavam assim como ele as amava. Vivia cercado delas. Lambari era pipeiro. Chegava a vender vinte mil pipas no verão e para isso se preparava o ano inteiro. Era entrar na Paituna e dar de cara com Lamba fazendo rabiolas com fitas antigas de vídeo cassete. As árvores e fios do local brilham ao sol com suas tirinhas pretas e reluzentes. É bonito de se ver!
Ao me mudar para a casa em frente à lojinha de pipas, a LAMBARI PIPAS, passei a conhecê-lo melhor. Logo no primeiro dia, perguntei a ele como fazer para comprar gás e um minuto depois, após uns assobios e alguns gestos, lá estava o gás na minha porta. Carteiros, marcadores de luz e água da minha casa, era com ele que se entendiam. Era o guardião da minha casa e da rua. Só que Lamba era um guardião manso, pacato. Era um anjo guardião.
Viajei em janeiro e ao retornar, ele me disse ter tido um AVC. Ainda estava com a boca um pouco torta, mas logo voltou ao normal. A cervejinha que tomava durante os jogos do seu querido Flamengo, não tomava mais, mas não abandonou o hábito de comer carne gordurosa. É que ele sabia que sua vida estava por um fio e não quis abandonar esse prazer, talvez o único que tinha na vida. Temia pela sua vida e pedia a DEUS que quando ele partisse, eu não estivesse presente, mas não foi assim que aconteceu.
Na madrugada de sexta-feira, ele se foi, deixando órfã a rua toda. Órfã e surpresa porque logo se soube que ele não tinha nenhum documento. Ele não precisava disso, mas a sociedade cobrou ferozmente essa inocência, deixando-o insepulto por três dias, não aceitando os documentos que conseguiram seus parentes e com a ajuda de um vereador foi enterrado ontem, tristemente, num buraco elameado, como indigente.
Enquanto andava nas aléias daquele cemitério, acompanhando o pobre cortejo, soube que Lamba dormia chupando chupetinha (ele tirava o arco de plástico para que ninguém notasse), cheirando um paninho e que era, aos trinta e oito anos, virgem, sexualmente virgem. Lamba era uma criança inocente. Perdemos um anjo.
DEUS mandou buscar Seu anjo.
Seja feliz, anjinho Lambari!"
Mãe, um grande beijo! Te amo!
Para o homem lindo que se foi, dedico um dos lamentos mais profundos em língua portuguesa. Lamba, cansado dessa vida de nada tratou de ser pipa no céu... Afinal, existirmos a que será que se destina?
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Bora rir um pouquinho?
Gente, continuando o papo do cabelo... Recebi da fofa da Ilca, que conheci virtualmente, um vídeo muito interessante que tem tudo a ver com o post anterior e com outros que virão. Na verdade, é uma seqüência de vídeos produzidos pela Cia de Teatro "Os crespos". Vale procurar no youtube os outros vídeos!
terça-feira, 18 de maio de 2010
CABELO BOM?
Inicio este post com a imagem em artesanato de uma mulher negra cujo cabelo é composto por esponja de aço. Vendo a peça não há como não lembrar da saída da escola, quando meninos felizes do Colégio Zaccaria infernizavam a mim e a minha irmã chamando-nos de cabelo bom-bril. Não há como esquecer da cena que passei há poucos meses atrás: eu descendo do 17o. andar do prédio onde morava juntamente com uma vizinha muito simpática. Ela elogiou meu cabelo, dizendo: "Nossa, seu cabelo é tão lindo! Parece o da Helena de "Viver a Vida". Eu confusamente agradeci me perguntando onde ela viu nos meus micro-cachinhos as madeixas encaroladas usadas por Thaís Araújo.
A imagem em artesanato é bem significativa porque não representa uma mulher negra qualquer, como seu vestido nos mostra, mas uma preta genuinamente brasileira. A marca do cabelo ruim tem andado viva na memória de grande parte das mulheres brasileiras, como bem nos mostra essa peça de artesanato e o comentário abaixo, disponível na net, neste endereço aqui, onde se pode encontrar o texto intitulado Cabelo Ruim.
Alguém aqui acha justo nascer com o cabelo de buxa? E não é de bruxa não, é de buxa mesmo! Isso é a coisa mais injusta que pode acontecer com uma pessoa. Porque imagina comigo, você só nasce uma vez na vida e ainda tem que nascer com um cabelo de bombril é demais!
É claro que você não pode colocar a culpa toda na sua mãe porque ela não te fez sozinha, então divide a culpa com o teu pai também! O pior é quando seu irmãozinho querido nasce com o cabelo mais perfeito do mundo e o seu é totalmente o contrario, dá vontade de matar ele né? Só ele não, a familia toda, você culpa até Deus por ter feito você nascer nessa família de cabelos ruins.Mas para a sua sorte Deus é pai e não padrasto! Ele fez o homem inventar os produtos químicos, melhor que isso só nascer com o cabelo lindo. Então agora você pode ser feliz e deixar seu cabelo perfeito, né mágico? Escrevi isso aqui porque fiquei com pena das mulheres de antigamente, as coitadinhas deveriam sofrer muito..
Não, eu não tenho cabelo ruim.
Cabelo não-liso tem sido tabu na sociedade brasileira. Mesmo em tempos de uma dita valorização de culturas afros, o cabelo carapinha é relegado ao silêncio ou visto como monstruoso. No máximo, fala-se de estratégias para escondê-lo, amansá-lo ou, vez por outra, cabelos étnicos são expostos para mostrar quão exóticos são. Por isso, mesmo aquela receita do cabelo "ajeitadinho" não é papo para se ter alto em mesa de bar, principalemente se tiver homem por perto.
Homens negros participam do mesmo processo avassalador quando o assunto é cabelo, mas possuem mais alternativas para se safar, quase sempre escamoteando as contradições que sentem com relação aos seus próprios fios. Dessa forma, eles jogam para debaixo do tapete assunto tão doloroso para tantas brasileiras e brasileiros. Com as mulheres, o buraco é mais embaixo. Rígidos padrões de beleza e uma indústria cosmética que só se volta para o alisamento dos fios não-lisos induzem a um aprendizado pouquíssimo saudável para as meninas negras.
Há muitas gerações nós temos cuidado de nosso cabelo na intimidade do nosso quarto, banheiro ou ao pé do fogão da cozinha, esperando o ferro esquentar, trocando com as mulheres mais próximas da família maneiras de "amansar a fera" e de praguejar contra mais uma triste herança africana. Esse aprendizado é duplamente doloroso, mesmo sem nos darmos conta dele. Por um lado, não há couro cabeludo ou fio que resista às diferentes técnicas de alisamento , já que todas sem exceção causam dor física; por outro, aprendemos a esquecer uma parte importantíssima do nosso corpo, tomada como feia, indomável, sem jeito, com várias marcas de não, pronta para ser esquecida.
Esse esquecimento, como todo esquecimento histórico, é íntimo e comunitário, individual e coletivo. Ninguém quer lembrar o cabelo carapinha que possui. Lembro de algumas cantoras, como Alcione ou Elza Soares, que permearam minha infância com diferentes cabelos em capas de discos, ou mais recentemente Paula Lima, cujos fios o público nunca soube como são. Mesmo que usem cabelos artificiais mais próximos da aparência dos nossos cabelos nunca pudemos contemplar seus fios reais. Interessante que me refiro a mulheres vaidosíssimas, como pode ser visto nas produções esmeradas das três, com direito a unha postiça (Alcione), plásticas mil (Elza) ou requintadas roupas conjugadas a uma linda cabeleira artificial (Paula).
Vou logo dizendo que não distingo as mulheres que amo ou admiro pelo tipo de cabelo que usam. Tenho amigas e familiares queridas com os mais diferentes tipos de cabelo. Só insito que na relação com nossos cachos temos sido intimamente impelidas ao desamor, à raiva, à vergonha. Eu estou aqui hoje escrevendo, no entanto, para expor um pouco o contrário de toda essa história, para contar uma história de amor.
É isso, a relação que tenho há quatro anos com o meu cabelo é de puro amor. A nossa relação amorosa foi conquistada depois de muitos anos de suspensão, das mais diferentes formas. Em fins de 2006, decidi deixar de lado as pesadas fibras de cabelo artificial que usava para compor as minhas tranças. Estava decididamente cansada de tantas agressões ao meu couro cabeludo e aos fios do meu cabelo. Foi umas das medidas mais saudáveis que já tomei na vida.
Hoje, toda vez que me olho no espelho sinto mais do que contentamento ao ver os meus múltiplos micro-cachinhos 3-D. É isso mesmo, nossos canhinhos assim todos juntos têm as três dimensões da tão falada imagem 3-D - altura, largura e profundidade. Abusar da profundidade nos nossos penteados, dando formato mais arredondado, reto, cheio ou rente ao couro cabeludo é uma brincadeira muito saudável que, no mínimo, nos leva a descobrir múltiplas dimensões do nosso próprio rosto. No máximo, nos leva a descobrir recantos há muito escondidos em nossa alma. Esta aí embaixo sou eu e meus amados cachinhos:
Posso ficar até amanhã de manhã escrevendo sobre a gente aqui, digo sobre mim e o meu cabelo - quase nem sei mais se somos um só ou se nos dividimos em dois (às vezes ele sou eu, às vezes ele é um ente que me catalisa). Prefiro, no entanto, começar a apresentar um pouco um documentário que é também uma linda história de amor. Refiro-me ao documentário "Good Hair" dirigido e conduzido pelo ator, humorista, produtor, roteirista, limpador de pára-brisas, ajudante de cozinha ou o que quer que você queira... Chris Rock.
O filme inicia com uma seqüência de imagens de cabelos de negras em filmes antigos de Hollywood e recentes desfiles em disputas entre cabeleleiros que alongam os cabelos das pretas daqui, mas a história de amor começa na fala de abertura do próprio Chris, que é mais ou menos assim: "Minhas duas filhas, Lola e Zora. As mais lindas meninas do mundo. Mesmo eu dizendo todo santo dia que elas são lindas não é o bastante. Ontem mesmo Lola chegou em casa chorando e disse: "papai, como eu faço pra ter cabelo bom?"
Essa é a pergunta clássica que muitas de nós fizemos quando crianças e que nossas filhas, sobrinhas, vizinhas ainda hoje continuam a fazer, lamentando por não possuirem cabelos lisos. Eu me pergunto que padrões são esses que embotam os pensamentos de todas, como bem pudemos ver no comentário feito acima pela caucasiana, mas que principalmente massacra a a auto-confiança de lindas meninas que vemos balançando suas tranças ou seus cachos por aí. Chris, literalmente, fez o documentário como uma espécie de legado amoroso e reflexivo para suas filhas, meninas ultra sortudas, não só pela grana que a família possui, mas principalmente por terem um pai que vira meio mundo para tentar compreender por que não ter cabelo liso angustia tanto suas filhas.
Nessa tentativa de descobrir toda a indústria cosmética que está por trás da busca ansiosa e desesperada pelo cabelo bom, Chris vai a diferentes cidades norte-americanas, entrevista mulheres, conversa com homens, busca entender o comércio de cabelos naturais e de peruca, viaja para Índia. A cruzada de Chris vai desvelando diferentes níveis da questão: o econômico, o social, o racial, o emocional, o psicológico. Enfim, muitas cenas do filme dão insights para pensamentos mil desssa parte do corpo feminimo que tem nos sido tirada, arrancada sem muita explicação.
No fechamento do filme, Chris retoma o laço com as duas meninas e tenta responder o que está para além do conceito cabelo bom: "na tentativa de entender as questões que envolvem o cabelo afro, eu rodei o mundo inteiro... então o que eu vou dizer as minhas filhas? Eu vou dizer que o que está no topo da cabeça delas não é nem de perto mais importante do que o que está dentro."
Eu diria um pouco mais do que ele disse. Diria da importância de tocar o próprio cabelo, da importância de amar cada fio, mesmo com olhares de reprovação. Eu diria que não é preciso alisar o cabelo para dar a ele diferentes looks. Eu diria para elas jamais aceitarem parceiro(a)s que tenham medo de tocar nos seus fios, porque não há carinho mais prazeroso que o cafuné. Sobretudo eu demonstraria, através da minha relação de amor com os meus fios, o quanto é libertador e alegre conhecer as texturas próprias do nosso cabelo e as versatilidades específicas de um cabelo que jamais terá o corte ou o caimento do cabelo escorrido. Pouco importa! O ganho de conhecer intimamente uma parte sonegada de nós é o atrevimento mais saudável que pode nos acontecer.
Sobre esse filme, ainda tenho muito a dizer. Quero falar do depoimento das mulheres (atrizes, intelectuais, cabelereiras, entre outras), das batalhas entre cabeleireiros que acontecem aqui nos EUA, sobre a ida Chris a Índia, sobre os pensamentos que tive vendo o filme, mas, decididamente, neste post não vai dar. Ele já está enorme o suficiente. Fica para o próximo.
Para que vocês sintam o gostinho da maravilhosa aventura de Chris Rock, fiquem com a engraçada e melancólica cena dele tentando vender cabelo afro em lojas que vendem cabelos para implantes, entrelace ou o que quer que seja.
A imagem em artesanato é bem significativa porque não representa uma mulher negra qualquer, como seu vestido nos mostra, mas uma preta genuinamente brasileira. A marca do cabelo ruim tem andado viva na memória de grande parte das mulheres brasileiras, como bem nos mostra essa peça de artesanato e o comentário abaixo, disponível na net, neste endereço aqui, onde se pode encontrar o texto intitulado Cabelo Ruim.
Alguém aqui acha justo nascer com o cabelo de buxa? E não é de bruxa não, é de buxa mesmo! Isso é a coisa mais injusta que pode acontecer com uma pessoa. Porque imagina comigo, você só nasce uma vez na vida e ainda tem que nascer com um cabelo de bombril é demais!
É claro que você não pode colocar a culpa toda na sua mãe porque ela não te fez sozinha, então divide a culpa com o teu pai também! O pior é quando seu irmãozinho querido nasce com o cabelo mais perfeito do mundo e o seu é totalmente o contrario, dá vontade de matar ele né? Só ele não, a familia toda, você culpa até Deus por ter feito você nascer nessa família de cabelos ruins.Mas para a sua sorte Deus é pai e não padrasto! Ele fez o homem inventar os produtos químicos, melhor que isso só nascer com o cabelo lindo. Então agora você pode ser feliz e deixar seu cabelo perfeito, né mágico? Escrevi isso aqui porque fiquei com pena das mulheres de antigamente, as coitadinhas deveriam sofrer muito..
Não, eu não tenho cabelo ruim.
Cabelo não-liso tem sido tabu na sociedade brasileira. Mesmo em tempos de uma dita valorização de culturas afros, o cabelo carapinha é relegado ao silêncio ou visto como monstruoso. No máximo, fala-se de estratégias para escondê-lo, amansá-lo ou, vez por outra, cabelos étnicos são expostos para mostrar quão exóticos são. Por isso, mesmo aquela receita do cabelo "ajeitadinho" não é papo para se ter alto em mesa de bar, principalemente se tiver homem por perto.
Homens negros participam do mesmo processo avassalador quando o assunto é cabelo, mas possuem mais alternativas para se safar, quase sempre escamoteando as contradições que sentem com relação aos seus próprios fios. Dessa forma, eles jogam para debaixo do tapete assunto tão doloroso para tantas brasileiras e brasileiros. Com as mulheres, o buraco é mais embaixo. Rígidos padrões de beleza e uma indústria cosmética que só se volta para o alisamento dos fios não-lisos induzem a um aprendizado pouquíssimo saudável para as meninas negras.
Há muitas gerações nós temos cuidado de nosso cabelo na intimidade do nosso quarto, banheiro ou ao pé do fogão da cozinha, esperando o ferro esquentar, trocando com as mulheres mais próximas da família maneiras de "amansar a fera" e de praguejar contra mais uma triste herança africana. Esse aprendizado é duplamente doloroso, mesmo sem nos darmos conta dele. Por um lado, não há couro cabeludo ou fio que resista às diferentes técnicas de alisamento , já que todas sem exceção causam dor física; por outro, aprendemos a esquecer uma parte importantíssima do nosso corpo, tomada como feia, indomável, sem jeito, com várias marcas de não, pronta para ser esquecida.
Esse esquecimento, como todo esquecimento histórico, é íntimo e comunitário, individual e coletivo. Ninguém quer lembrar o cabelo carapinha que possui. Lembro de algumas cantoras, como Alcione ou Elza Soares, que permearam minha infância com diferentes cabelos em capas de discos, ou mais recentemente Paula Lima, cujos fios o público nunca soube como são. Mesmo que usem cabelos artificiais mais próximos da aparência dos nossos cabelos nunca pudemos contemplar seus fios reais. Interessante que me refiro a mulheres vaidosíssimas, como pode ser visto nas produções esmeradas das três, com direito a unha postiça (Alcione), plásticas mil (Elza) ou requintadas roupas conjugadas a uma linda cabeleira artificial (Paula).
Vou logo dizendo que não distingo as mulheres que amo ou admiro pelo tipo de cabelo que usam. Tenho amigas e familiares queridas com os mais diferentes tipos de cabelo. Só insito que na relação com nossos cachos temos sido intimamente impelidas ao desamor, à raiva, à vergonha. Eu estou aqui hoje escrevendo, no entanto, para expor um pouco o contrário de toda essa história, para contar uma história de amor.
É isso, a relação que tenho há quatro anos com o meu cabelo é de puro amor. A nossa relação amorosa foi conquistada depois de muitos anos de suspensão, das mais diferentes formas. Em fins de 2006, decidi deixar de lado as pesadas fibras de cabelo artificial que usava para compor as minhas tranças. Estava decididamente cansada de tantas agressões ao meu couro cabeludo e aos fios do meu cabelo. Foi umas das medidas mais saudáveis que já tomei na vida.
Hoje, toda vez que me olho no espelho sinto mais do que contentamento ao ver os meus múltiplos micro-cachinhos 3-D. É isso mesmo, nossos canhinhos assim todos juntos têm as três dimensões da tão falada imagem 3-D - altura, largura e profundidade. Abusar da profundidade nos nossos penteados, dando formato mais arredondado, reto, cheio ou rente ao couro cabeludo é uma brincadeira muito saudável que, no mínimo, nos leva a descobrir múltiplas dimensões do nosso próprio rosto. No máximo, nos leva a descobrir recantos há muito escondidos em nossa alma. Esta aí embaixo sou eu e meus amados cachinhos:
Posso ficar até amanhã de manhã escrevendo sobre a gente aqui, digo sobre mim e o meu cabelo - quase nem sei mais se somos um só ou se nos dividimos em dois (às vezes ele sou eu, às vezes ele é um ente que me catalisa). Prefiro, no entanto, começar a apresentar um pouco um documentário que é também uma linda história de amor. Refiro-me ao documentário "Good Hair" dirigido e conduzido pelo ator, humorista, produtor, roteirista, limpador de pára-brisas, ajudante de cozinha ou o que quer que você queira... Chris Rock.
O filme inicia com uma seqüência de imagens de cabelos de negras em filmes antigos de Hollywood e recentes desfiles em disputas entre cabeleleiros que alongam os cabelos das pretas daqui, mas a história de amor começa na fala de abertura do próprio Chris, que é mais ou menos assim: "Minhas duas filhas, Lola e Zora. As mais lindas meninas do mundo. Mesmo eu dizendo todo santo dia que elas são lindas não é o bastante. Ontem mesmo Lola chegou em casa chorando e disse: "papai, como eu faço pra ter cabelo bom?"
Essa é a pergunta clássica que muitas de nós fizemos quando crianças e que nossas filhas, sobrinhas, vizinhas ainda hoje continuam a fazer, lamentando por não possuirem cabelos lisos. Eu me pergunto que padrões são esses que embotam os pensamentos de todas, como bem pudemos ver no comentário feito acima pela caucasiana, mas que principalmente massacra a a auto-confiança de lindas meninas que vemos balançando suas tranças ou seus cachos por aí. Chris, literalmente, fez o documentário como uma espécie de legado amoroso e reflexivo para suas filhas, meninas ultra sortudas, não só pela grana que a família possui, mas principalmente por terem um pai que vira meio mundo para tentar compreender por que não ter cabelo liso angustia tanto suas filhas.
Nessa tentativa de descobrir toda a indústria cosmética que está por trás da busca ansiosa e desesperada pelo cabelo bom, Chris vai a diferentes cidades norte-americanas, entrevista mulheres, conversa com homens, busca entender o comércio de cabelos naturais e de peruca, viaja para Índia. A cruzada de Chris vai desvelando diferentes níveis da questão: o econômico, o social, o racial, o emocional, o psicológico. Enfim, muitas cenas do filme dão insights para pensamentos mil desssa parte do corpo feminimo que tem nos sido tirada, arrancada sem muita explicação.
No fechamento do filme, Chris retoma o laço com as duas meninas e tenta responder o que está para além do conceito cabelo bom: "na tentativa de entender as questões que envolvem o cabelo afro, eu rodei o mundo inteiro... então o que eu vou dizer as minhas filhas? Eu vou dizer que o que está no topo da cabeça delas não é nem de perto mais importante do que o que está dentro."
Eu diria um pouco mais do que ele disse. Diria da importância de tocar o próprio cabelo, da importância de amar cada fio, mesmo com olhares de reprovação. Eu diria que não é preciso alisar o cabelo para dar a ele diferentes looks. Eu diria para elas jamais aceitarem parceiro(a)s que tenham medo de tocar nos seus fios, porque não há carinho mais prazeroso que o cafuné. Sobretudo eu demonstraria, através da minha relação de amor com os meus fios, o quanto é libertador e alegre conhecer as texturas próprias do nosso cabelo e as versatilidades específicas de um cabelo que jamais terá o corte ou o caimento do cabelo escorrido. Pouco importa! O ganho de conhecer intimamente uma parte sonegada de nós é o atrevimento mais saudável que pode nos acontecer.
Sobre esse filme, ainda tenho muito a dizer. Quero falar do depoimento das mulheres (atrizes, intelectuais, cabelereiras, entre outras), das batalhas entre cabeleireiros que acontecem aqui nos EUA, sobre a ida Chris a Índia, sobre os pensamentos que tive vendo o filme, mas, decididamente, neste post não vai dar. Ele já está enorme o suficiente. Fica para o próximo.
Para que vocês sintam o gostinho da maravilhosa aventura de Chris Rock, fiquem com a engraçada e melancólica cena dele tentando vender cabelo afro em lojas que vendem cabelos para implantes, entrelace ou o que quer que seja.
Marcadores:
beleza negra,
cabelo afro,
depoimento
Assinar:
Postagens (Atom)